sábado, 27 de abril de 2013

Depois de alguns anos, pela primeira vez deixei de olhar na mesma direção de sempre e olhei para outro lado. Querem saber? Gostei. Tive uma tarde agradável como há muito não tinha. Por algumas horas pude esquecer as coisas ruins que as pessoas fazem e vi que às vezes, alguém faz algo bom. Talvez seja hora de mudar definitivamente de direção e deixar para trás o que me machucou. O Renato Russo disse: "Têm gente que está do mesmo lado que você, mas deveria estar do lado de lá." Acho que sou eu quem deveria estar do lado de lá, pois do lado de cá, os "maus caracteres" têm mais valor porque sabem bajular e dissimular. Aqui não há mais lugar para alguém como eu. Me recuso a ser o que os outros querem que eu seja, prefiro ser eu mesmo. Meu coração pede mudanças.

sábado, 7 de janeiro de 2012

Alquimia

De acordo com especialistas, alquimia é o nome da química praticada na Idade Média, que se baseava na idéia de que todos os metais evoluem até virar ouro. Os alquimistas tentavam acelerar esse processo em laboratório, por meio de experimentos com fogo, água, terra e ar (os quatro elementos), empenhados principalmente na descoberta de uma "pedra filosofal", capaz de transformar tudo em ouro.

Os alquimistas eram vistos como pessoas de hábitos estranhos - por exemplo, passar horas e horas contemplando uma planta. Mas a simples observação da natureza parece tê-los feito perceber o que hoje reza a física quântica: tudo no universo está interligado. O médico suíço Philippus Paracelsus (1493-1541), por exemplo, ficou famoso por curar as pessoas a partir dessa visão holística.

Ele recorria a conceitos da alquimia, como o de que o sal, o mercúrio e o enxofre estão presentes em tudo o que existe, inclusive dentro do homem.

Hoje, a antroposofia, ciência espiritual que influencia diversas escolas do conhecimento, faz analogia entre os princípios alquímicos e as forças básicas atuantes na alma humana: o pensar (sal), o sentir (mercúrio) e o querer (enxofre). Para Ivan Stratievsky, médico e cirurgião antroposófico, o ouro alquímico, por exemplo, nada mais é que o self, o verdadeiro Eu. "Para chegarmos lá", diz ele, "precisamos lidar com as polaridades internas, pensando, sentindo e querendo de maneira equilibrada."

Precursora da química e da medicina, foi a ciência principal da Idade Média. A busca da pedra filosofal e da capacidade de transmutação dos metais, incluía não só as experiências químicas, mas também uma série de rituais. A filosofia Hermética era um dos seus alicerces, assim também como partes de Cabala e da Magia.

A magia é a primeira das ciências e a mais caluniada de todas, porque o vulgo obstina-se em confundir a magia com a bruxaria supersticiosa cujas práticas abomináveis são denunciadas.

A Alquimia tomou emprestado da Cabala todos os seus signos, e era na lei das analogias, resultantes da harmonia dos contrários, que baseava suas operações.

Ao longo do tempo, diversos alquimistas descobriram que a verdadeira transmutação ocorria no próprio homem, numa espécie de Alquimia da Alma; diversos outros permaneceram na busca sem sucesso do processo de transformações de metais menos nobres em ouro; afirma-se que alguns mestres atingiram seus objetivos.

A alquimia também preocupava-se com a Cosmogonia do Universo, com a astrologia e a matemática. Os escritos alquímicos, constituíam-se muitas vezes, de modo codificado ou dissimulado, daí, talvez a conotação dada ao termo hermético ( fechada), acessível apenas para os iniciados.

A palavra alquimia, do árabe, al-khimia, tem o mesmo significado de química, só que, esta química, antigamente designada por espargiria, não é a que atualmente conhecemos, mas sim, uma química transcendental e espiritualista. Sabe-se, que al, em árabe, designa Ser supremo o Todo-Poderoso, como Al-lah. O termo alquimia, designa desde os tempos mais recuados, a ciência de Deus, ou seja a química de Al.

A alquimia é a arte de trabalhar e aperfeiçoar os corpos com a ajuda da natureza. No sentido restrito do termo, a alquimia sendo uma técnica é, por isso, uma arte prática. Como tal, ela assenta sobre um conjunto de teorias relativas à constituição da matéria, à formação de substâncias inanimadas e vivas, etc.

Para um alquimista, a matéria é composta por três princípios fundamentais, Enxofre, Mercúrio e Sal, os quais poderão ser combinados em diversas proporções, para formar novos corpos.

No dizer de Roger Bacon, no Espelho da Alquimia, «...A alquimia é a ciência que ensina a preparar uma certa medicina ou elixir, o qual, sendo projetado sobre os metais imperfeitos, lhe comunica a perfeição...»

A alquimia operativa, aplicação direta da alquimia teórica, é a procura da pedra filosofal. Ela reveste-se de dois aspectos principais: a medicina universal e a transmutação dos metais, sendo uma, a prova real da outra.

Um alquimista, normalmente, era também um médico, filósofo e astrólogo, tal como Paracelso, Alberto Magno, Santo Agostinho, Frei Basílio Valentim e tantos outros grandes Mestres hoje conhecidos pelas suas obras reputadas de verdadeiras.

Cada Mestre tinha os seus discípulos a quem iniciava na Arte, transmitindo-lhe os seus conhecimentos. Além disso, para que esse conhecimento perdurasse pelos tempos, transmitiram-no também por escrito, nos livros que atualmente conhecemos, quase sempre escritos sob pseudônimo, de forma velada, por meio de alegorias, símbolos ou figuras.

É isto que dificulta o estudo da alquimia, porque esses símbolos e figuras não têm um sentido uniforme. Tudo era, e atualmente ainda é, deixado à obra e imaginação dos seus autores.

A transmutação de qualquer metal em ouro, o elixir da longa vida são na realidade coisas minúsculas diante da compreensão do que somos. A Alquimia é a busca do entendimento da natureza, a busca da sabedoria, dos grandes conhecimentos e o estudante de alquimia é um andarilho a percorrer as estradas da vida.

O verdadeiro alquimista é um iluminado, um sábio que compreende a simplicidade do nada absoluto. É capaz de realizar coisas que a ciência e tecnologias atuais jamais conseguirão, pois a Alquimia está pautada na energia espiritual e não somente no materialismo e a ciência a muito tempo perdeu este caminho.

A Alquimia é o conhecimento máximo, porém é muito difícil de ser aprendida ou descoberta. Podemos levar anos até começarmos a perceber que nada sabemos, vamos então começar imediatamente pois o prêmio para os que conseguirem é o mais alto de todos.

A Alquimia é uma Arte que se utiliza de grande número de símbolos, e por isso mesmo muitas vezes há referencias a ela com o nome de Ars Symbollica. O grande símbolo da Alquimia é a borboleta, por causa do efeito da metamorfose. Um dos símbolos que mais aparecem nos trabalhos de Alquimia é a figura do hermafrodita, ou andrógino.

Bruxaria - Wiccas

Bruxaria

Atualmente, um número cada vez maior de estudiosos dedica-se às Tradições da Magia e Feitiçaria, não se sabe ao certo quando teria surgido a Bruxaria; contudo há provas instigantes que indicam que pode ter se originado na aurora da humanidade, aproximadamente no final do período paleolítico, quando o Homem de Neandertal cedeu o lugar ao Homo Sapiens.

A bruxaria desde os primórdios, considerada uma religião da natureza é uma crença que antecede o cristianismo, e não se opõe em momento algum aos ensinamentos de Jesus. No entanto tornou-se uma visão lúgubre e ameaçadora no conceito da Igreja Romana na Idade Média, predominando na Europa durante séculos, trazendo para a vida do ser humano grandes conseqüências, como a morte de centenas de milhares de pessoas, o que se transformou numa verdadeira histeria religiosa.

A bruxaria com suas práticas pagãs, folclore e a crença nos poderes da magia é muito arraigada entre os europeus, a mulher representava a base fundamental da fertilidade, o corpo feminino era reverenciado como foco de força divina; doadora da vida. Por isso o Culto a Deusa-Mãe, aos mistérios da procriação e o respeito ao feminino.

No início da Idade Média, quase todas as mulheres podiam ser chamadas de bruxas, já que qualquer mulher sabia mais sobre superstições e encantamentos do que uma centena de homens. Até o século 15, os "Feitiços e Encantamentos" das mulheres foram, virtualmente, o único depositário de prática médica. As mulheres da idade média conheciam o poder das ervas, dos ciclos lunares, dos ventos, das chuvas, estrelas e planetas. Estavam profundamente ligadas por um amor e agradecimento à Terra e todas as manifestações de força e poder que vinha desta. Os pagãos acreditam que a volta da ligação com a natureza é o único caminho para uma vida harmônica e equilibrada, por isso todos os Ritos sagrados da Bruxaria estão centrados na Estação do Ano e fases lunares.

Paracelso disse que as bruxas o tinham ensinado tudo o que sabia sobre cura. Em 1570 o carcereiro do Castelo de Canterbury libertou uma feiticeira condenada, justificando, com a opinião popular, que ela sozinha era melhor para tratar os doentes do que todos os padres e exorcistas. Feiticeiras ou Fadas?

De acordo com explicação de Joseph Campbell: "Não resta dúvida de que nas épocas mais remotas da História do Homem a força mágica e misteriosa da Fêmea era tão maravilhosa quanto o próprio Universo; e isto atribui à mulher um poder prodigioso, poder este que tem sido uma das principais preocupações da parte masculina da população — como quebrá-lo, controlá-lo e usá-lo para seus próprios fins."

As conseqüências dessa ruptura primordial na relação entre homem e mulher viriam a ter um papel nas mitologias de "diversas culturas"; em termos práticos contribuiu para o surgimento de devastadoras turbulências sociais, tal como a Grande Perseguição às Bruxas na Europa Medieval.

Tempos longínquos, mas muito marcantes... e são esses fatos que são relembrados com curiosidade pela humanidade. Tempos de proibição, a mulher deveria casar virgem, e servir ao homem sempre com a disposição que lhe fosse determinada. Era a época onde se deveria agir pela fé, ou seja, justificar toda fé.

Só não sabiam que essa fé chegaria tão longe, ao ponto de matar pessoas, seres humanos, justificando a vontade divina. O que as pessoas deveriam lembrar é da velha Inquisição, onde vidas foram tomadas, até mesmo sem provar a culpa da vítima. Hoje, o principal fundamento da vida é a razão.

Mas felizmente a humanidade pôde evoluir, ter liberdade, as Antigas Religiões estão ressurgindo lentamente, mas constantes.

Surge o neo-paganismo, uma religião moderna chamada Wicca criada aproximadamente em 1940 pelo grande ocultista Gerald Brousseau Gardner, fundamentada na Alta Magia Cerimonial, na Thelema e no raciocínio segundo a obra 777 de Alesteir Crowley. Ela tomou o nome de uma divindade céltica chamada Cernunnos, representado por um homem com cabeça humana e chifres e pernas de cabra ou cervo, um ser meio homem meio animal, simbolizava o Deus primordial de toda criação, Absoluto. Após isto, Doris Valiente juntamente com Gardner reescreve o Book of Shadows de uma maneira mais paganizada e em seguida introduz o conceito da Deusa-Mãe, criando algo novo na Wicca. Com isso, Cernunnos não era mais absoluto, nem primordial, mas a contraparte da Deusa, que também foi tomado o nome de outra deidade céltica.

Queremos esclarecer para as pessoas que desconhecem, que a Wicca não é Céltica, até mesmo a Wicca dita céltica, não é Antiga Religião Celta, nem representante da cultura e povo Celta. Apesar de conter alguns elementos celtas, a Wicca tem sua origem na Thelema e os ritos fundamentados na Alta Magia Cerimonial.

O povo Celta, ao chegar na Europa, trouxe suas crenças, que ao se misturarem às crenças da população local, deram início a outras práticas.

A religião dos Celtas (existentes em algumas partes do mundo) era e ainda é o Druidismo, uma religião politeísta, e seus ritos eram sempre realizados ao ar livre. Para eles, este contato com a natureza permitia uma maior aproximação com os deuses e divindades. As principais eram: a Grande Deusa Mãe e o Deus Cornífero, chamados de Ceridwen e Cernunos, respectivamente. A Grande Deusa Mãe é a natureza em todas as suas manifestações, a fecundação e a criação, mãe do Deus Cornífero que representa a fertilização.

Os druidas cultuavam agricultura, a cura com ervas e a caça. Realizavam festas ritualísticas em homenagem às divindades, e iniciavam as pessoas na arte da Magia que era ensinada oralmente. Apesar da classe sacerdotal ser dividida entre homens e mulheres, a sociedade era matriarcal. As druidesas eram divididas em classes: a primeira vivia enclausurada. As outras classes podiam se casar e participavam de rituais sagrados.

O tempo foi passando e os deuses ficaram apenas na história representados por estátuas encontradas em diversas partes do mundo, como a do Deus Cornífero achada na Suécia. Agora com a chegada do século XXI, todos estes conceitos estão retornando e ressurge em todo mundo as crenças e o poder da magia dos antigos celtas. A bruxaria é a antiga religião dos povos da Europa, que após quase 2000 anos de exclusão e desaparecimento vem ressurgindo.

Segundo pesquisadores, todos os tipos de bruxaria são derivados do Xamanismo primitivo. "Os rituais de bruxaria tem a sua origem perdida no tempo, desde os Tempos Celtas, diga-se de passagem, Belos Tempos, onde a natureza era o princípio de tudo, onde a fé era profunda, onde a mente humana tinha um poder incalculável, pois o ser humano sabia como fazer bom uso do que lhe era proporcionado."

Princípios Herméticos ou Hermetismos

OS PRINCÍPIOS HERMÉTICOS

Hermes Trimegisto, o Três Vezes Grande, era considerado pelos Egípcios o Mensageiro dos Deuses, por ter transmitido os ensinamentos a este grande povo da antiguidade e ter implantado a tradição sagrada, os rituais sagrados, e os ensinamentos das artes e ciências em suas Escolas da Sabedoria.

A medicina, a astronomia, a astrologia, a botânica, a agricultura, a geologia, as matemáticas, a música, a arquitetura, a ciência política, tudo isso era ensinado em suas Escolas e em seus livros, que segundo os gregos somavam 42. Entre eles se encontra "O Livro dos Mortos" ou também chamado "O Livro da Saída da Luz".

A Ciência Hermética é baseada em seus ensinamentos e comprova com seus preceitos, que o Grande Hermes veio transmitir para a humanidade uma Sabedoria Divina, até hoje mal compreendida apesar de amplamente comprovada.

A Filosofia Hermética se baseia nos Princípios Herméticos incluídos no livro "O Caibalion" e parece destinada a plantar uma semente de Verdade no coração dos sábios, que perpetuam e transmitem os seus ensinamentos. Em todas as civilizações sempre existiram ouvidos atentos a estes ensinamentos. Como diz o próprio Caibalion:

Em qualquer lugar que se achem os vestígios do Mestre,

Os ouvidos daqueles que estiverem preparados para receber

O seu Ensinamento, se abrirão completamente.

Quando os ouvidos do discípulo estão preparados para ouvir,

Então vêm os lábios para enchê-los de sabedoria".

Porém o Caibalion nos ensina também que:

"Os lábios da Sabedoria estão fechados, exceto aos ouvidos do Entendimento".

O Caibalion nos foi transmitido pela Tradição Hermética e reúne os ensinamentos básicos da Lei que rege todas as coisas manifestadas.

A palavra Caibalion, na língua hebraica significa tradição ou preceito manifestado por um ente de cima. Esta palavra tem a mesma raiz da palavra Qabala, ou Qibul, ou Qibal, que significa tradição.

No antigo Egito foi estabelecida a maior das Lojas dos Místicos e pelas portas de seus Templos entraram os Neófitos que, mais tarde, como Hierofantes, Adeptos e Mestres, se espalharam por todas as partes da terra, levando consigo o precioso conhecimento que possuíam para ensiná-los àqueles que estivessem preparados para compreendê-lo.

Em nossos dias o termo ‘hermético’ significa secreto, fechado de tal maneira que nada escapa, significando que os discípulos de Hermes sempre observavam o princípio do segredo nos seus preceitos. Os antigos instrutores pediam este segredo mas nunca desejaram que os preceitos não fossem transmitidos.

Não instituíram uma religião, de forma que estes princípios pudessem ser aproveitados por todas mas não pertencessem a nenhum credo. De fato, os ‘Princípios Herméticos’ são baseados nas Leis da Natureza, e como tais pertencem somente à Ordem Divina.

‘As doutrinas sempre foram transmitidas de ‘Mestre à Discípulo’, de Iniciado à Hierofante, dos lábios aos ouvidos. Ainda que esteja escrita em toda parte, foi propositalmente velada com termos de alquimia e astrologia, de modo que só os que possuem a chave podem-na ler bem.’ (O Caibálion).

Os Sete Princípios em que se baseia a Filosofia Hermética são os seguintes:

I – O princípio de Mentalismo

II – O princípio de Correspondência

III – O princípio de Vibração

IV – O princípio de Polaridade

V – O princípio de Ritmo

VI – O princípio de Causa e Efeito

VII – O princípio de Gênero



O primeiro Princípio é o Principio do Mentalismo

"O TODO é MENTE; o Universo é Mental"

Tudo e todos que existem de visível ou oculto funcionam porque fazem parte de um todo. Tudo faz parte da criação de uma mente onipresente, tudo faz parte de um poder total.

Este é sem dúvida o mais importante de todos os princípios já que nele estão contidos todos os outros. O TODO (ou seja a realidade que se oculta em todas as manifestações de nosso universo material) é Espírito, é Incognoscível e Indefinível em si mesmo, mas pode ser considerado como uma Mente Vivente Infinita Universal.

"Compreendendo a verdade da Natureza Mental do nosso Universo o discípulo estará bem avançado no Caminho do Domínio", escreveu um velho mestre do Hermetismo. Estas palavras continuam atuais e verdadeiras e são a chave para a nossa compreensão das regras e Leis que regem nosso Universo material.

Observaremos que, se o Universo é Mental e nós existimos na Mente do Todo, como tais, nós somos seres mentais e criamos com a nossa mente, à imagem e semelhança do Todo, conforme explica o Segundo Princípio.



O segundo Princípio Hermético é o Princípio da Correspondência

"O que está em cima é como o que está embaixo, e o que está embaixo é como o que está em cima".

Assim como é em cima, é embaixo. Como é embaixo, assim é em cima. A característica de um corresponde, de certa forma, com a característica de outro, ou vice-versa.

A compreensão deste princípio nos ajuda a explicar todos os fenômenos da natureza e compreender a própria existência da vida. Os segredos da Natureza se tornam claros aos olhos do estudante que compreender este princípio chave, aplicado à manifestação universal e que explica os diversos planos do universo material, mental e espiritual.

Este é um dos mais importantes princípios e é aplicado na Astrologia e na Alquimia, verdadeiras Ciências de Iniciados, a primeira praticamente desprezada e a segunda quase esquecida. O Princípio da Correspondência habilita o homem inteligente a raciocinar do Conhecido ao Desconhecido ou vice-versa. "Estudando a Mônada, ele chega a conhecer o Arcanjo", diz o Caibalion.



O terceiro Princípio é o Princípio da Vibração

"Nada está parado, tudo se move, tudo vibra"

Nada nesse mundo esta em repouso, tudo esta em constante movimento. Tudo tem a sua infinita vibração, embora algumas coisas pareçam estar em repouso, na verdade estão dentro de um Universo que não para de vibrar.

Este princípio nos explica que tudo, em nosso Universo, está em constante movimento, isto é, em constante evolução. Este princípio é facilmente compreensível pois a ciência moderna já o confirmou através de suas observações e descobertas.

Ele explica que as diferenças entre as diversas manifestações de Matéria, Energia, Mente e Espírito, resultam das ordens variáveis de Vibração. "Desde O TODO, que é puro Espírito, até a forma mais grosseira de Matéria, tudo está em vibração. Quanto mais elevada for a vibração, tanto mais elevada será a posição na escala". (O Caibalion).

Nas extremidades inferiores da escala estão as vibrações mais grosseiras da matéria, que parecem estar paradas. Ao elevarmos nosso espírito, nos campos de vibração mais sutis, entramos em sintonia com O TODO e com a Mente Superior, recebendo assim os benefícios dela emanados. Só os Mestres conseguem aplicar corretamente este Princípio de Vibração, conquistando assim os fenômenos da natureza. "Aquele que compreende o princípio de Vibração alcançou o Cetro do Poder", disse um antigo Mestre.



O quarto Princípio é o Princípio de Polaridade

"Tudo é Duplo; tudo tem pólos; tudo tem o seu oposto; o igual e o desigual são a mesma coisa; os opostos são idênticos em natureza mas diferentes em grau; os extremos se tocam; todas as verdades são meias-verdades; todos os paradoxos podem ser reconciliados"

Tudo tem o seu pólo oposto para o perfeito equilíbrio e funcionamento contínuo do ciclo do universo. Somente os lados opostos uns aos outros conseguem se unir, transformando-se em uma parte do conjunto do universo.

Este Princípio é bastante simples e ao mesmo tempo complexo, e contém o axioma hermético dos opostos, ou seja dos pólos que regem toda a vida manifestada tal como nós a conhecemos. O princípio de Polaridade explica, por exemplo, que Luz e Obscuridade são a mesma coisa, manifestada em variações e graus diferentes.

Explica também que o Amor e o Ódio são dois estados mentais em aparência totalmente diferentes mas em realidade iguais pois exprimem somente o mesmo sentimento em graus diferentes. E o melhor de tudo isto é que, no caso da mente, podemos modificar as coisas se dominarmos a nossa própria mente, mudando a sua vibração, através da Arte da Transmutação Mental.

Com o profundo conhecimento deste princípio o estudante poderá modificar a sua própria Polaridade, assim como a dos outros, transformando Ódio em Amor, Raiva em Perdão, Tristeza em Alegria.



O quinto Princípio Hermético é o Princípio de Ritmo

"Tudo tem fluxo e refluxo; tudo tem suas marés; tudo sobe e desce; tudo se manifesta por oscilações compensadas; a medida do movimento à direita é a medida do movimento à esquerda; o ritmo é a compensação"

As coisas estão sempre em constante movimento e esta lei explica o ritmo desses movimentos. É através da seqüência circula repetida de um mesmo movimento o caminho que se compõem o resultado da transformação.

Ao analisarmos este princípio temos que compreender que o Universo da forma como nós o conhecemos é influenciado por este constante fluxo e refluxo, por este movimento de atração e repulsão, que o torna tão complexo e ao mesmo tempo tão perfeito. Esta lei se manifesta em todas as coisas materiais e também nos estados mentais do Homem.

Os Hermetistas compreendem este Princípio, reconhecendo a sua aplicação universal e com os profundos estudos e com o domínio da mente, conseguem dominar os seus efeitos aplicando a Lei mental de Neutralização. Porém, o simples observar desta Lei em aplicação na Natureza nos ajuda a melhor enfrentar as vicissitudes da vida, acompanhando o seu fluxo e refluxo e tentando neutralizar a Oscilação Rítmica pendular que tenta nos arrastar para um ou para outro pólo.



O sexto Princípio Hermético é o Princípio de Causa e Efeito

"Toda a Causa tem seu Efeito, todo o Efeito tem sua Causa; tudo acontece de acordo com a Lei; o Acaso é simplesmente um nome dado a uma Lei não reconhecida; há muitos planos de causalidade, porém nada escapa à Lei"

Nada no mundo acontece por acaso, tudo tem sua causa, e essa causa é o efeito de outra causa, e assim por diante, é uma cadeia circular infinita de causas e conseqüências.

Neste princípio existe a verdade de que há uma Causa para todo o Efeito e um Efeito para toda a Causa. E O Caibalion nos ensina também que nada acontece sem uma razão, mesmo se nós a desconhecemos, pois tudo é dominado pela Lei. Para nos elevarmos acima da Lei de Causa e Efeito é necessário muito estudo, muita meditação e a compreensão profunda de todos os Princípios Herméticos que fazem do Iniciado um Verdadeiro Mago.

As massas do povo são levadas para frente, seguindo os desejos e vontades dos outros, do coletivo onde as causas exteriores se tornam mais importantes do que a vontade própria. O verdadeiro Iniciado deve elevar-se acima da massa, exercitando a sua Vontade para poder exercer o seu Livre Arbítrio. Para escaparmos desta Lei, que nos ata às sucessivas re-encarnações, devemos antes de mais nada controlar nossa mente e nossos atos para superarmos a casualidade.



O sétimo Princípio é o Princípio do Gênero

"O Gênero está em tudo; tudo tem o seu princípio masculino e o seu princípio feminino; o gênero se manifesta em todos os planos"

Tudo e todos têm seu lado feminino e masculino. É assim que o Universo é formado. Masculino possui Feminino e vice-versa. O termo chinês yin-yang considera essa idéia a base para o equilíbrio, tanto em sua característica criativa como objetiva. O nosso anima (poder feminino) e o animus (poder masculino) devem estar sempre em harmonia.

Estudando este princípio, que nos lembra o princípio de Polaridade, percebemos que o gênero é manifestado em tudo e que o princípio feminino e masculino estão sempre presentes, seja no plano físico que no plano mental e espiritual. No plano físico este Princípio se manifesta como sexo, e nos planos superiores ele tem outras formas de manifestação, mas se mantém igual.

Assim, podemos dizer que todas as coisas manifestadas no gênero masculino possuem também um gênero feminino, e todas as coisas do gênero feminino contém também um gênero masculino. Compreendemos assim que não necessitamos da busca do outro princípio pois tudo está imanente em nós, manifestado na forma do gênero. A compreensão deste princípio nos leva à plenitude e à realização interior.



CONCLUSÃO

Estes Princípios Herméticos, são aplicados pelo Astrólogo, pelo Tarólogo, pelo Homeopata, pelo Terapeuta Floral, pelo Grafólogo, enfim, por todos aqueles que sabem que o Homem faz parte do TODO e como tal não pode estar se não intimamente ligado a este, através de suas Leis Universais.

Ao olharmos o Homem como um Todo harmônico, podemos compreender as razões que o levam à desarmonia, que se manifesta através das doenças físicas ou mentais, dos acidentes e infortúnios, e tentar ‘curá-lo’ proporcionando-lhe assim a chance de um crescimento no âmbito espiritual.

Sem estes Princípios, as ciências chamadas "alternativas" seriam meros exercícios de ‘curandeirismo’. No entanto, sob os Princípios das Leis Herméticas, tudo se torna claro e transparente às mentes mais esclarecidas.

quarta-feira, 19 de outubro de 2011

Para o Sexo a Expirar

Para o sexo a expirar, eu me volto, expirante.
Raiz de minha vida, em ti me enredo e afundo.
Amor, amor, amor - o braseiro radiante
que me dá, pelo orgasmo, a explicação do mundo.
Pobre carne senil, vibrando insatisfeita,
a minha se rebela ante a morte anunciada.
Quero sempre invadir essa vereda estreita
onde o gozo maior me propicia a amada.
Amanhã, nunca mais. Hoje mesmo, quem sabe?
enregela-se o nervo, esvai-se-me o prazer
antes que, deliciosa, a exploração acabe.
Pois que o espasmo coroe o instante do meu termo,
e assim possa eu partir, em plenitude o ser,
de sêmen aljofrando o irreparável ermo.

Carlos Drumond de Andrade

quarta-feira, 14 de setembro de 2011

O Homem do princípio ao fim

O HOMEM DO PRINCÍPIO AO FIM De Millôr Fernandes O humorista consagrado junta-se ao profundo crítico da condição humana. E utilizando justamente a inteligência, o maior dos atributos humanos, Millôr nos leva da perplexidade à mais gostosa gargalhada. E a história do Homem, desde o princípio até, quem sabe, o seu fim.
“Um espetáculo que resistirá ao tempo e poderá ser representado daqui a cem anos”. F. W. - Tribuna de Imprensa. “Tão magnificamente concebido e organizado, e tão magistralmente interpretado.” H. O. - Diário de Noticias. “Inteligente, belo, forte, divertido, interessante e instrutivo (...) nos comoveu e enriqueceu tanto que qualquer discussão sobre rótulos e gêneros fica sem sentido.”
Y. M. - Jornal do Brasil.
Nota apenas para que o gênero continue Este gênero de espetáculo teatral - que os divulgadores chamam geralmente deC o l a g e m - tem um apelo duradouro para o público de todas as escalas econômico-culturais e serve eficazmente para transmissão didática de idéias políticas, sociais, literárias e poéticas, sem falar nas humanísticas, que englobam todas. Todavia a superficialidade que se quis atribuir ao gênero durante um certo tempo fez com que sua extraordinária dificuldade de execução não fosse percebida, e todo amador, incapaz de construir uma só cena teatral, sem nenhuma vivência jornalística, literária, sem sequer mesmo nenhuma vivência cultural, se sentisse capacitado a realizar espetáculos deste tipo. O resultado, com raríssimas exceções (lembro, no momento, Oh, Minas Gerais, de Jota Dângelo e Jonas Bloch, coincidentemente feito por autores que tinham estudado e vivenciado o assunto que apresentavam), foi lamentável.
Um espetáculo como O Homem do princípio ao fim exige, como já deixei implícito, que o autor seja um escritor. É fundamental que, ao recolher os textos, ele os conheça bem, tenha o exato peso do que eles significam e do que significaram para si próprio quando tomou conhecimento deles pela primeira vez. Não basta recolher textos ao acaso. Na hora de escrever as ligações entre os textos, é claro que o autor deve saber fazê-lo com as palavras exatas e esse extraordinário senso de economia que o teatro impõe: jamais usando dez palavras onde se pode usar nove, jamais dizendo uma coisa “mais ou menos” como se quer. A coisa tem que ser dita com absoluta precisão, engraçada quando se a quer engraçada, dramática, poética, política, social na justa medida do que se pretende. E, importantíssimo em arte dramática - absolutamente imprecisa, vaga e fluída quando essa for a intenção.
É fundamental também ter em mente uma idéia geral exata para encaminhar o espetáculo. A escolha e seqüência dos textos são uma história que se conta, o público não pode se perder. Ele deve saber para onde está sendo conduzido.
Assim, em Liberdade, liberdade, eu e Flávio Rangel optamos pelo óbvio: a progressão cronológica. Partindo dos primeiros tempos históricos, a liberdade vai caminhando para os nossos dias e o público sabe (sente) quando está se aproximando do fim da história. Isso evita, entre outros males, aquele, não pequeno, de certos espetáculos chatos que nos torturam a toda hora prometendo acabar e não acabando nunca. Não nos permitem nem sair no meio.
Quando realizamos O Homem do princípio ao fim, claro que não poderíamos repetir o esquema. Nossa idéia era a apresentação do homem do ponto de vista, justamente, humanístico. Para tal, dividimos o espetáculo em dez quadros - oito sentimentos humanos básicos - do ódio ao amor, do medo ao riso - sem falar do
princípio e do fim, que não são sentimentos mas parte da metafísica que envolve o homem. Os dez quadros foram separados pors l i d e s (que devem ter pelo menos três metros de altura) projetando números romanos: I-II-III-IV, etc., de modo que, por mais vaga que seja a referência ao assunto em questão, o público saiba que, enquanto não aparecer outro algarismo ainda se está falando do mesmo tema.

Essa breve explicação é dada para que, em quaisquer projetos semelhantes, os autores menos experientes considerem as dificuldades e, por exemplo, não sabendo escrever humor, se juntem a um autor que tenha senso de humor, não sabendo traduzir determinada língua, se juntem a outro autor que saiba essa língua. Pois uma das grandes dificuldades deste tipo de trabalho é também as várias facetas de capacidade que exige do autor ou autores - escrever textos de várias formas ea p p r o a c h e s , traduzir com precisão dramática, saber cortar e montar os textos sem em absoluto deturpá-los: reduzir uma cena que tenha 15 minutos para 3 ou 4 é uma senhora tarefa dramática.
Em resumo, como já disse em alguma parte para furor de alguns comentaristas indignados com a minha iconoclastia, fazer este tipo de espetáculo é mais difícil - vejam bem, não mais importante! - do que escrever um texto original.
Em tempo: 46% do Homem do princípio ao fim é feito com material original. Millôr Fernandes O Homem do princípio ao fim estreou em junho de 1967, no Teatro Santa Rosa, no Rio de Janeiro, com produção e direção de Fernando Torres, cenografia de Cláudio Corrêa e Castro, figurinos de José Ronaldo e música de Oscar Castro Neves.
Os textos foram representados por: Fernanda Montenegro
Cláudio Corrêa e Castroe
Sérgio Brito.

Contando ainda com a participação especial do Quarteto 004. Os direitos autorais referentes às citações incluídas neste trabalho são recolhidos à SBAT - Sociedade Brasileira de Autores Teatrais. Av. Almirante Barroso, 90/3º. Rio.

(Projeção de imagem de uma nebulosa desfocada. Faz foco sobre imagem de uma explosão atômica. Fade out. Música. Imagens de guerreiros Watusi em danças típicas.)
CORO - O meu pai! lá! lá! lá! CORO- Quando eu for homem eu vou ser caçador.
Quando eu for homem eu vou ser baleeiro.
Quando eu for homem eu vou ser canoeiro.
Quando eu for homem eu vou ser carpinteiro.
Quando eu for homem eu vou ser... UM HOMEM.

CORO- Ó meu pai! lá! lá! lá! (Repete.)( 1 ) 1) Trecho do livro feito sobre a grande exposição fotográfica internacionalT h e FamiIy of Man, N. York, 1959. Texto ligeiramente adaptado às necessidades dramáticas. (Sobre a última imagem da repetição, fade-out e logo blecaute. Luz sobre Sérgio Brito.)
Primeira Parte SÉRGIO - “Da minha varanda percebo um movimento em um ponto do mar; é um homem nadando. Nada a uma certa distância da praia, em braçadas pausadas e fortes. Acompanho o seu esforço solitário, como se ele estivesse cumprindo uma bela missão. Já nadou em minha presença uns trezentos metros; antes, não sei. Duas vezes o perdi de vista, quando ele passou atrás das árvores, mas esperei com toda confiança que reaparecesse sua cabeça e o movimento alternado de seus braços. Mais uns cinqüenta metros e o perderei de vista, pois um telhado o esconderá. Que ele nade bem, essa distância: é preciso que conserve bem a mesma batida de sua braçada e que eu o veja desaparecer assim como vi aparecer, no mesmo rumo, no mesmo ritmo, forte, lento, sereno. E então eu poderei sair da varanda tranqüilo: “Vi um homem sozinho, nadando no mar: quando o vi ele já estava nadando; acompanhei-o com atenção durante todo o tempo, e testemunho que ele nadou sempre com firmeza e exatidão; esperei que ele atingisse um telhado vermelho, e ele o atingiu”.
Não desço para ir esperá-lo na praia e lhe apertar a mão: mas dou meu silencioso apoio, minha atenção e minha estima a esse desconhecido, a esse nobre animal, a esse homem, a esse correto irmão” 2)
2) Redução - sem alteração de palavras - de uma crônica de Rubem Braga, originalmente publicada no livro Ai de ti, Copacabana , Ed. Autor. Posteriormente incorporada à coletânea Duzentas crônicas escolhidas, Ed. Nova Fronteira.
(Luz geral.) CLÁUDIO - Autêntica, respeitável comunidade, tenho aqui a honra, sincera gratidão da acolhida propícia misericordiosa liberal vossa humana generosa benevolência, genuína e muito boa filantropia, que acolhe a este lamentável desesperado espetáculo, desesperado, derradeiro, degradado. Só a vossa decidida, compacta comparecência, clemente mercê, faz com que eu me sinta não de todo abandonado na minha pobre indigente posição indigente, considerando a presença de cada um assim como a de cada qual magnânima circunstância aliviadora das nossas confusas nada importantes preocupações vitais. Vossas propícias e participantes graciosas caridosas demonstrações (Faz gesto de
dinheiro esfregando polegar no indicador e, ao mesmo tempo, uma mesura) permitem-me contar com vosso científico filosófico ouvido para as nossas humanas universais vexações vergonhosas tribulações. (3) 3) Trecho da peça do autor Flávia, cabeça, tronco e membros, escrita em 1963, ainda inédita. Edição L&PM. 1977. FERNANDA - Sérgio Brito acabou de dizer um trecho do poeta Rubem Braga e Cláudio Corrêa e Castro representou o início da peça Flávia, cabeça, tronco e membros. Pois este espetáculo é uma escolha de textos, procurando dar uma idéia do homem, esse ser humano. O homem e seu amor, o homem e seu riso, o homem e seu medo, a sua saudade, e seu fim. A breve canção do homem neste mundo de
Deus. Isso, naturalmente, do ponto de vista brasileiro, Rio de Janeiro, Ipanema, junho de 1965. (Fade-out, sobe música.)
slide 1 oHOMEM: O SEU INÍCIO Fernanda narra. Apartes de Sérgio. (Os slides devem ser em cor, ilustrando as falas mais importantes.) FERNANDA - Um dia o Todo-Poderoso levantou-se naquela imensidão desolada em que vivia, convocou os anjos, os arcanjos e os querubins e disse: "Meus amigos, vamos ter uma semana cheia. Vamos criar o Universo e, dentro dele, o Paraíso. Devemos criar a Terra, o Sol, a floresta, os animais, os minerais, a Luz, as estrelas, o Homem e a Mulher. E devemos fazer tudo isso muito depressa, pois temos que descansar no domingo. E no sábado, depois do meio-dia”.
SÉRGIO - O que Deus fazia antes da criação do Mundo, ninguém sabe. Se fez tudo isso em seis dias apenas, imaginem que imensa ociosidade, a anterior! FERNANDA - A maior dificuldade de todas, embora isso pareça incrível, foi lançar a Pedra Fundamental. Os anjinhos ficaram com aquela bola imensa na mão e perguntaram ao Mestre: “Onde?” Afinal decidiu-se jogá-la ao acaso, e ela ficou por ali, girando num lugar mais ou menos instável, por conta própria. Trabalhar no escuro era muito difícil. Deus então murmurou Fiat Lux. E a luz foi feita.
SÉRGIO - Até hoje há uma grande discussão para saber se Deus falava latim ou hebraico. FERNANDA - E fez, em seguida, a Lua e as estrelas. E dividiu a noite do dia. Fez então os minerais e os vegetais. Todos os vegetais eram bons e belos e seus frutos podiam ser comidos. Ruim só havia mesmo a chamada árvore da Ciência do Bem e do Mal, bem no meio do Paraíso.
Isto aqui é a Parreira, futuro guarda-roupa de Adão e Eva. E logo Deus fez os animais: o Leão, o Tigre, o Cavalo... SÉRGIO - Vê-se perfeitamente que a Girafa foi um erro de cálculo. FERNANDA - Como os espectadores podem reparar, fez dois exemplares de cada animal, prova de que não acreditava na cegonha. Tendo feito a Vaca, esta, subitamente, deu leite. O Mestre bebeu-o com os anjinhos, aprovou, ordenou à vaca que continuasse a produzir uma média de sete litros diários, e o resto jogou pela janela do Universo, formando assim a Via Láctea. E fez também a Cobra.
Como os animais tivessem sede, Deus teve que resolver o problema, mas não se apertou. Misturou duas partes de Hidrogênio com uma de Oxigênio, experimentou e disse: “Esta fórmula vai ser um sucesso eterno. Vou chamá-la deá g u a ” .
SÉRGIO -Á g u a , um produto divino.
FERNANDA -Á g u a , um produto caído do céu! (Jingle da água.) Assim dizem as escrituras, Deus criou todas as coisas sobre a face da terra. Mas uma coisa eu lhes garanto quee l e não inventou. Ele inventou o sol. E as árvores, e os animais e os minerais. Mas, de repente, para absoluta surpresa sua, olhou e viu, maravilhado, que cada coisa tinha uma sombra! Nessa, francamente, ele não tinha pensado! Mas foi contemplando a própria sombra, (Projeção da sombra de
Sérgio sobre a tela) que ele teve a idéia de fazer um ser à sua semelhança. E Adão foi feito. Nascendo já grande e prontinho, Adão teve várias vantagens: não precisou fazer o serviço militar, não passou por aquela transição terrível entre a primeira e a segunda dentição; e nunca teve 17 anos. Além do que, não precisava comprar presente no Dia das Mães. (Slide de Adão.)
SÉRGIO - A esta altura Adão ainda não usava folha de parreira, mas nós colocamos uma no desenho, para agradar à censura. O espectador poderá também objetar que aqui a figura do proto-homem não está muito máscula. Lembramos porém que Eva ainda não existia e que, portanto, a masculinidade ainda não aparecera sobre a face da terra.
FERNANDA - Outro problema sério, quando se pinta Adão, é saber se ele tinha ou não tinha barba. Nas pinturas clássicas, ele, em geral, não tem barba quando está no Paraíso e tem barba quando já saiu do Paraíso. A conclusão: O castigo por ter comido a maçã foi fazer a barba toda manhã. Mas há outros problemas metafísicos criados pelo Todo-Poderoso. Aqui mesmo, neste quadro, devidamente numerado, temos quatro desses problemas para o leitor meditar:
1) Responda, amigo, Adão tinha umbigo? 2) Responda, irmão, O pássaro, Já nasce com a canção? 3)O mistério não acaba: onde anda o bicho da goiaba quando não é tempo de goiaba? 3) Mestre, respeito o Senhor, mas não a sua Obra:
que paraíso é esse que tem cobra? Mas ali estava Adão, prontinho, feito de barro. Durante muito tempo, aliás, se discutiu se a mulher não teria sido feita antes. Mas está claro que a mulher foi feita depois. Primeiro, porque é mais caprichada. Mais bem acabada. Deus, nela, desistiu do barro e usou cartilagem. E colocou nela alguns detalhes que têm feito um imenso sucesso pelos tempos a fora. Segundo, vocês já imaginaram se a mulher tivesse sido feita antes, os palpites que ela ia dar na confecção do Homem?
- Ah, não põe isso não, põe aquilo! Ih, que bobagem, que nariz feio! Deixa ele careca, deixa! Põe mais um olho, põe! Ah, pelo menos põe um vermelho e outro amarelo, põe! Puxa, você não faz nada do que eu quero, hein? É de barro também, é? Parece um macaco, seu! Você é errado, Todo-Poderoso! Ah, não põe boca não, põe uma tromba! Ficou pronto depressa, hein? Você deixa eu soprar ele, deixa? Deixa que eu sopro, deixa!
Depois de devidamente soprado com o Fogo Eterno, Adão saiu pelo Paraíso experimentando as coisas. Tudo que ele fazia, ou dizia, era completamente original. Nunca perdeu tempo se torturando: “Onde é que eu ouvi essa?” “De onde é que eu conheço esse cara?” Deus, entre outros privilégios, deu a Adão o de denominar tudo. Foi ele quem chamou árvore de árvore, folha de folha e vaca de vaca. E tinha tanto talento para isso que todos os nomes que botou, pegaram.
SÉRGIO - Deus só pediu explicação a Adão no dia em que este batizou o hipopótamo. “Por que hi-po-pó-ta-mo?” perguntou o Todo-Poderoso. E então Adão deu uma resposta tão certa, tão clara, tão definitiva, que Deus nunca mais lhe perguntou nada: “Olha, Mestre - disse ele - eu lhe garanto que nunca vi um animal com tanta cara de hipopótamo.”
FERNANDA - E assim foi Adão dando nome a todas as coisas. Só errou no dia em que estava batizando os minerais e deu uma topada numa pedra. Foi a primeira vez que uma coisa foi chamada com outro nome. Adão tinha criado o eufemismo. Adão saiu por ali, nadando no rio, comendo dos frutos, brincando com os animais. Mas não parecia satisfeito. O Senhor, percebendo que faltava alguma coisa a Adão, resolveu lhe dar uma companheira. Ordenou que ele fosse dormir e, como lá reza a História, foi o primeiro sono de Adão e seu último repouso.
Conforme prevíamos, assim que Eva foi criada, olhou em volta e começou a dar palpites sobre a criação: - Hi, Todo-Poderoso, quanto animal sem coloração! Muda isso; pra floresta o que vai pegar mesmo é o estampado! Deus acedeu. E enquanto ele mudava a pele dos bichos, Eva saiu passeando e resolveu tomar um banho no rio. A criação inteira veio então espiar aquela coisa linda que ninguém conhecia. E quando Eva saiu do banho, toda molhada, naquele mundo inaugural, naquela manhã primeval, estava realmente tão maravilhosa, que os anjos, os arcanjos e os querubins não se contiveram e começaram a bater palmas, entusiasmados: “O autor! O autor! O autor!”

O resto da história os senhores conhecem melhor do que nós. Arrastado por Eva e pela serpente, Adão não resistiu e comeu a maçã. Logo que comeram a maçã, por um fenômeno facilmente explicável, Adão e Eva perceberam que estavam nus. Foram até o seu armário desembutido, pegaram quatro tolhas de parreira e se vestiram rapidamente. Furioso com o desrespeito de suas criaturas...
SÉRGIO - Furioso pra show, furioso pras arquibancadas, pois sendo Onisciente, Previdente e Onipresente, Deus sabia muito bem o que Adão e Eva iam fazer. FERNANDA - O Todo-Poderoso apontou-lhes imediatamente o olho da rua, depois de desejar aos dois coisas que não se desejam nem ao pior inimigo; como ter filhos sem os processos da técnica moderna e ganhar o pão com o suor do próprio rosto. Todos os outros animais pensaram que aquilo se tratasse apenas de uma brincadeira do Todo-Poderoso. Mas não. Botou mesmo o casal pra fora, tendo até, como lá conta a Bíblia, colocado, na entrada do Paraíso, um anjo com uma bruta espada de fogo na mão, com ordem de não deixar os dois entrar. Esse anjo foi o primeiro leão-de-chácara da história Universal. (4)
4) A Verdadeira história do paraíso. Mostrada a primeira vez pelo próprio autor, na Tevê Itacolomi, B. Horizonte, no fim da década de 50, e na Tevê Tupi do Rio, em 1959. Foi ainda apresentada num espetáculo teatralP i f - t a c -
zig-pong, em 1962. Só foi publicada na imprensa - na revista O Cruzeiro - em 1963, causando o que, à distância de hoje, bem pode se caracterizar como uma questão religiosa, por essa publicação o autor teve que sair da empresa que ajudara a construir em 25 anos de trabalho. Vale dizer que a Igreja, naqueles tempos, tão próximos!, ainda estava bem distante do comportamento social e político que viria a assumir.

slide 2 O HOMEM: O SEU AMOR CLÁUDIO- Amor é fogo que arde sem se ver; é ferida que dói e não se sente;
é um contentamento descontente;
é dor que desatina sem doer;
é um não querer mais que o bem querer;
é solitário andar por entre as gentes;
é nunca contentar-se de contente;
é cuidar que se ganha em se perder;

SÉRGIO - E assim, quando mais tarde me procure quem sabe a morte, angústia de quem vive,
quem sabe a solidão, fim de quem ama,
eu possa me dizer do amor (que tive):
que não seja imortal, posto que é chama,
mas que seja infinito enquanto dure.

(Luz geral.) CLÁUDIO - Como alguns perceberam, acabamos de misturar Luiz de Camões e Vinícius de Morais num coquetel de alto poder poético. Salomão fazia o mesmo misturando líricos, místicos e pedaços de folclore na composição do mais fervente poema erótico da Bíblia, Sir Hasirim - O Cântico dos Cânticos.
SÉRGIO - Quem é esta que vem caminhando como a aurora quando se levanta, formosa como a luz, escolhida como o sol, terrível como um exército? FERNANDA - Põe-me a mim como um escudo sobre o teu coração, porque o amor é valente como a morte; as suas alâmpadas são umas alâmpadas de fogo e de
chamas. Amado da minha alma, aponta-me onde é que tu te encostas pelo meio dia, para que não entre eu a andar feito uma vagabunda atrás dos rebanhos dos teus companheiros.
SÉRGIO - Vem do Líbano, amada minha, vem do Líbano, vem: serás coroada no alto do Amaná, no cume do Samir, nas cavernas dos leões, no Monte dos Leopardos. FERNANDA - Eu abri a minha porta a meu amado, o meu amado meteu a mão pela fresta e as minhas entranhas estremeceram. Levantemo-nos de manhã para ir às vinhas, vejamos se as vinhas têm lançado flor, se as flores produzem frutos, se as romãs já estão em flor: ali eu te darei meus seios.
(Luz que se apaga.) (Luz geral.) CLÁUDIO -S h a w : “Quando duas pessoas estão apaixonadas, numa exaltação quase patológica, a sociedade traz diante delas um padre e um juiz e exige que jurem que permanecerão o resto da vida nesse estado deprimente, anormal e exaustivo” (5)
5) Bernard Shaw: Everybody’s Political What’s What? Constable and Company. Londres. 1944. Tradução do autor. SÉRGIO -S h a k e s p e a r e , que descreveu todas as emoções humanas, é aqui apresentado numa cena clássica de amor: na Megera domada, o conflito entre Catarina e Petrúquio, dois amantes potenciais, dois temperamentos terríveis que se encontram pela primeira vez: Petrúquio, a quem o pai a prometeu como esposa, vai manter Catarina num regime de opressão constante e domá-la. Mas a tarefa não é de todo fácil.( Tr o m b e t a s . )
PETRÚQUIO - Vou lhe fazer a corte com algumas ironias. Se me insultar, bem, eu lhe direi que canta tão suavemente quanto o rouxinol. Se fizer cara feia, aí direi que seu olhar tem o frescor e a limpidez das rosas matinais banhadas pelo orvalho. Que fique muda, sem pronunciar sequer uma palavra: louvarei sua maneira jovial, frisando que tem uma eloqüência admirável. Que mande eu ir embora: e lhe agradecerei como se me pedisse para ficar a seu lado uma semana. E se se recusa a casar, fingirei ansiar pelo dia das bodas. Mas lá vem ela; e agora, Petrúquio, fala! (Entra Fernanda) - Bom dia Cata, pois ouvi dizer que assim a chamam.
CATARINA - Pois ouviu muito bem para quem é meio surdo: os que podem me chamar me chamam Catarina. PETRÚQUIO - Tu mentes, Catarina; pois te chamas simplesmente Cata. Cata, a formosa e, algumas vezes, a megera Cata. Mas Cata, a mais bela Cata de toda a cristandade. Cata, esse catavento, minha recatada Cata, a quem tanto catam, ah, portanto, por isso, Cata, meu consolo, ouvindo cantar tua meiguice em todas as cidades, falar de tuas virtudes, louvar tua beleza, me senti movido a vir aqui pedir- te em casamento.

CATARINA - Movido, em boa hora! Pois quem o moveu daqui que daqui o remova. Assim que o vi percebi imediatamente que se tratava de um móvel. PETRÚQUIO - Como, um móvel? CATARINA - Um móvel. Um banco. PETRÚQUIO - Você percebeu bem; pois vem e senta em mim. CATARINA - Os burros foram feitos para a carga, como você. PETRÚQUIO - Para carregar-nos muito antes de nascer foram feitas as mulheres. CATARINA - Mas não a animais, quer me parecer. PETRÚQUIO - Ai, Cata gentil! Não pesarei quando estiver em cima de ti... pois és tão jovem e tão leve... CATARINA - Leve demais para ser carregada por um grosseirão como você e, no entanto, pesada, por ter de ouvi-lo e vê-lo. PETRÚQUIO - Não maltrates aquele que a corteja. CATARINA - Corteja ou corveja? PETRÚQUIO - Oh, pombinha delicada, um corvo te agradaria? CATARINA - É melhor que um abutre! PETRÚQUIO - Vejo-a agora irritada demais; a pombinha virou vespa. CATARINA - Se virei, cuidado com o meu ferrão. PETRÚQUIO - Só me resta um remédio - arrancá-lo. CATARINA - Sim, se o imbecil soubesse onde ele é. PETRÚQUIO - Mas quem não sabe onde é o ferrão da vespa? No rabo. CATARINA - Na língua. PETRÚQUIO - De quem? CATARINA - Na sua, que fala de maneira grosseira! E agora, adeus! PETRÚQUIO - Assim, com a minha língua no rabo? Não, volta aqui, boa Cata; eu sou um cavalheiro. CATARINA - Vou verificar.( E s b o f e t e i a - o . ) PETRÚQUIO - Volte a fazê-lo e juro que a estraçalho.
CATARINA - Com que armas? As de cavalheiro? Se me bater não será cavalheiro e, não sendo cavalheiro, não terás armas. PETRÚQUIO - Ah, entendes de heráldica? Põe-me então no teu brasão, que estou em brasas. CATARINA - Qual é o seu emblema? Uma crista de galo? PETRÚQUIO - Um galinho sem crista, se queres ser minha franga. CATARINA - Galo sem crista não é galo pra mim. PETRÚQUIO - Vamos, Cata, vamos: não sejas tão azeda. CATARINA - É como eu fico, quando vejo um rato. PETRÚQUIO - Não há ratos aqui; portanto não se azede. CATARINA - Há sim, há sim. PETRÚQUIO - Mostre-me então. CATARINA - Se eu tivesse um espelho mostraria. PETRÚQUIO - Como? O rato então sou eu? CATARINA - Que perspicácia em rapaz tão jovem. PETRÚQUIO - Jovem mesmo, por São Jorge. Sobretudo em relação a você. CATARINA - E, no entanto, todo encarquilhado. PETRÚQUIO - São as penas do amor. CATARINA - Não me dê pena. PETRÚQUIO - Mas, ouve aqui, Cata; juro que não me escapas assim. CATARINA - Se eu ficar é só para irritá-lo. Largue-me! PETRÚQUIO - E, agora, pondo de lado tudo o que dissemos, vou falar claro: teu pai já consentiu em que cases comigo, lá concordamos com respeito ao dote. E queiras ou não queiras, vou me casar contigo. Olha, Cata, sou o marido que te convém: sou aquele que nasceu para domar-te e transformar a Cata selvagem numa gata mansa.
CATARINA - Vai domar os teus criados, imbecil! (Sai.) (Fade-out - fade-in rápidos.) PETRÚQUIO -( M o n ó l o g o ) Assim, com muita astúcia, começo meu reinado e espero terminá-lo com sucesso. Meu falcão está faminto, de barriga vazia. E enquanto não ficar bem amestrado não mandarei matar a sua fome. Assim, aprenderá a obedecer ao dono. Outra maneira que tenho de amansar meu

milhafre, de ensiná-lo a voltar e a conhecer meu chamado, é obrigá-la à vigília como se faz com os falcões que bicam e batem as asas para não obedecer. Ela não comeu nada hoje, nem comerá. Não dormiu a noite passada, também não dormirá esta. Como fiz com a comida hei de encontrar também algum defeito na arrumação da cama. Atirarei para cá o travesseiro, pra lá as almofadas, prum lado o cobertor, para outro os lençóis. Ah, e no meio da infernal balbúrdia não esquecerei de mostrar que faço tudo por cuidado e reverência a ela. Concluindo porém; ficará acordada a noite inteira. E se, por um acaso, cochilar, me ponho aos gritos e aos impropérios com tal furor que a manterei desperta. Assim se mata uma mulher com gentilezas. Assim eu dobrarei seu gênio áspero e raivoso. Se alguém conhece algum modo melhor para domar uma megera, tem a palavra. (6)( S a i . )
(Sobe música - fade-out - fade-in sobre Sérgio.) (6) Shakespeare. The Taming of the Shrew. Tradução do autor. Editora Letras e Artes. 1963. SÉRGIO - Num dos livros mais influentes da literatura moderna, Ulisses, de James Joyce, Molly Bloom relembra a sua vida num solilóquio famoso feito em dezenas e dezenas de páginas sem pontuação e sem sentido objetivo. Aqui as últimas palavras do livro:
FERNANDA - É que o sol nasce pra você, me disse ele no dia em que nós estávamos deitados entre os rododendros e eu obriguei ele pela primeira vez a me pedir, sim, e eu lhe dei um pedaço de bolo da minha boca e era ano bissexto como agora, sim, já passaram 16 anos, meu Deus, depois do beijo comprido que eu quase perdi o ar ele disse que eu era uma flor da montanha, sim, é que nós todas somos flores em nosso corpo de mulher, sim, e aí foi porque eu gostei dele pois ele entendia o que uma mulher era e dei a ele todo o prazer que eu podia empurrando ele até ele pedir para eu dizer sim mas eu não respondia de saída olhando o céu e o mar e estava pensando numa porção de coisas que ele não sabia, de pessoas com nomes que ele nunca ouvira, do meu pai, do Capitão, do mercado da rua Duque, dos burrinhos meio dormindo escorregando pela ladeira, das moças espanholas de xale, rindo, rindo, de Ronda olhando para o amante dela pelas frestas da veneziana das casas amarelas e dos jasmins de Gibraltar quando eu menina era como uma flor da montanha, sim, quando eu botei uma rosa no cabelo como as raparigas andaluzas costumavam fazer e como ele me beijou debaixo da torre mourisca e eu pensei bem tanto faz ele como outro qualquer, sim, e com os meus olhos eu pedi a ele pra me pedir de novo, sim, e então ele me pediu se eu deixava, sim, se eu dizia sim minha flor da montanha e eu primeiro botei meus braços no pescoço dele, sim, e puxei-o pra mim para ele sentir meus seios todos perfumados, sim, e o coração dele batia como louco, e sim, eu disse sim, eu deixo, sim. (7) (Blecaute. Luz sobre Sérgio.)
7) Ulisses. de James Joyce. Famoso trecho da stream of consciousness. Aqui se
procura, sem alterar palavras, dar uma idéia brevíssima, um gusto de Joyce. O
problema da tradução é capital. O final da infinita frase de Molly Bloom é: “...and
yes I said yes I will yes”. Sendo will um verbo auxiliar e estando o verbo essencial
oculto, é impossível saber o que Molly will fará. O tradutor optou por um verbo ao
mesmo tempo forte e cheio de ternura, com o qual a mulher demonstra a força de
quem concede e o carinho extremo de quem se entrega: deixar. “Eu deixo, sim.
(Embora o original não tenha pontuação, o tradutor colocou algumas vírgulas como


sugestão para os atores). SÉRGIO - Mas o que é o homem, que ainda não conseguiram defini-lo? Os livros de história natural ensinam que é um animal. Os cineastas declaram que é um artista. Os jornais demonstram que é um jornalista. Os médicos diagnosticam: é um doente. Os totalitários proclamam que é um autômato. Para o outro homem ele é, quase sempre, um inimigo. (Vai apagando até blecaute. Sobe música.)

slide 3 O HOMEM: LOBO DO HOMEM CLÁUDIO - (No escuro, luz dramática) E Abraão disse a Lot: “Peço-te que te separes de mim. Se fores para a esquerda eu irei para a direita. Se fores para a direita eu irei para a esquerda”. FERNANDA - Decálogo do Senador Goldwater: (Com sIides.) SÉRGIO - 1) O governo deve retirar-se de todas as iniciativas fora de suas atribuições como Previdência Social, Educação Pública, agricultura e projetos habitacionais. CLÁUDIO - 2) Não pode haver coexistência com os comunistas enquanto eles não acreditarem em Deus. SÉRGIO - 3) Eis nossa alternativa: grandes governos ou grandes negócios. Sou contra os grandes governos. CLÁUDIO - 4) Meu objetivo não é passar leis: é rejeitá-las. SÉRGIO - 5) Devemos desfolhar as florestas do Vietnam com pequenas bombas atômicas. Removendo-se a folhagem, remove-se a cobertura do guerrilheiro. CLÁUDIO - 6) As questões raciais devem ser tratadas apenas pelas pessoas diretamente envolvidas nelas. SÉRGIO - 7) Poeira radioativa? Isso não existe!
CLÁUDIO - 8) A decisão da Suprema Corte não é, necessariamente, a lei do país.
SÉRGIO - 9) Sempre fui contra a ajuda externa e sempre votarei contra ela.
CLÁUDIO - 10) O comunismo não é alimentado pela pobreza, doença e outras

condições sociais e econômicas semelhantes. O comunismo é alimentado pelos comunistas. (8) (Luz se modifica.) 8) Da revista Time. FERNANDA - Há violência no mundo. Uma das maiores vem acontecendo na Colômbia durante quase vinte anos. Já fez 200.000 mortos, mais do que toda a guerra da Coréia. A ação bárbara ficou conhecida como La Violencia, e ainda perdura.
SÉRGIO - La Violencia, uma luta fratricida entre liberais e conservadores, começou em 1948 com o assassinato do líder Eliézer Gaitán; dentro em breve tinha degenerado numa guerrilha total da qual ninguém se lembrava o começo.
Duas especialidades dos matadores, de ambos os lados: La Franela, que consiste em arrancar a carne em volta do pescoço da vítima de uma forma que lembra uma echarpe; e La Corbata, um buraco na altura do pomo de Adão, através do qual puxa-se a língua da vítima dando-se a impressão dela estar de gravata. (9)( S o b e
música - fade-out - fade-in.) 9) Episódio a que Eduardo Galeano também se refere, de outra maneira, em As Veias Abertas da América Latina. Ed. Paz & Terra. CLÁUDIO - O ódio é o de sempre, a paixão eterna. Em Ricardo II, de William Shakespeare, a rainha Margaret lança sobre a rainha Elizabeth e seus fidalgos uma maldição sem igual. FERNANDA - “Podem as maldições rasgar as nuvens e penetrar no céu? Abram-se então, nuvens malditas, à minha maldição de fogo. Que o teu rei seja morto, não na guerra, mas por devassidão, já que o nosso foi assassinado para fazê-lo rei. Teu filho Eduardo, que agora é o príncipe de Gales, por meu filho Eduardo, que era o Príncipe de Gales, morra jovem também, com igual violência.
Tu, agora rainha, por mim que era a rainha, sobrevivas à Glória, como eu, desgraçada! E que vivas bastante, para chorar por teus filhos e ver outra mulher, como agora eu te vejo, sentada em teus direitos, como tu, hoje nos meus. Muito antes que morras, morra tua alegria. E depois de infinitas horas de amargura, morras nem mãe, nem esposa, nem rainha da Inglaterra.
Rivers e Dorset, fostes testemunhas como foste tu, Lord Hastings, de que meu filho morreu sob punhais sangrentos: peço a Deus que nenhum de vós chegue ao fim da existência normal mas seja morto por qualquer acidente inesperado.
Quanto a ti, Gloster, eu não te esqueço, cão: espera e ouve. Se o céu reserva para ti pragas mais monstruosas do que as que te desejo, deve guardá-las até que amadureçam os teus pecados para só então despejar seu ódio sobre ti, destruidor da paz do pobre mundo!
Que o verme do remorso te roa, sem cessar, a alma! Que enquanto viveres duvides dos amigos como traidores e aceites como amigos os mais vis traidores. Que o sono jamais feche o teu olhar de vesgo a não ser para trazer um pesadelo horrendo que te atormente com um inferno de demônios medonhos.
Tu, desfigurado pelo espírito do mal, aborto, porco!
Tu, filho de inferno, marcado de nascença como escravo da natureza!

Tu que apodreceste o ventre de tua mãe; tu, fruto odiado do sêmen de teu pai!” (10) 10) William Shakespeare. Ricardo II. Tradução do autor.
(Fade out. Sobe música.)
slide 4 O HOMEM: A SUA SAUDADE CLÁUDIO - Bilac: “Por ser de minha terra é que sou rico Por ser de minha gente é que sou.”(11) 11) Bilac. Citado de memória (Slides (bonitos) dos pracinhas em São Domingos.) SÉRGIO - Não permita Deus que eu morra
FERNANDA - Nosso céu tem mais estrelas
SÉRGIO - Sem que eu volte para lá
FERNANDA - Nossas várzeas têm mais flores
SÉRGIO - As aves que aqui gorjeiam
FERNANDA - Nossos bosques têm mais vida
SÉRGIO - Não gorjeiam como lá
FERNANDA - Nossas várzeas têm mais flores
SÉRGIO - Minha terra tem palmeiras
FERNANDA - Nossa vida mais amores
SÉRGIO - Onde canta o sabiá (12)

12) Estes versos, da maneira que os usamos, uma forma aparentemente simples, podem bem dar aos futuros autores de colagens a idéia das possibilidades de criação dramática do gênero. A Canção do exílio, de
Gonçalves Dias, escrita em Coimbra, em 1841, é assim:
“Minha terra tem palmeiras,
Onde canta o sabiá:
As aves que aqui gorjeiam,
Não gorjeiam como lá.
Nosso céu tem mais estrelas,


Nossas várzeas têm mais flores,
Nossos bosques têm mais vida,
Nossa vida mais amores.
Em cismar, sozinho, à noite,
Mais prazer encontro eu lá;
Minha terra tem palmeiras,
Onde canta o sabiá.
Minha terra tem primores.
Que tais não encontro eu cá;
Minha terra tem palmeiras.
Onde canta o sabiá.
Não permita Deus que eu morra,
Sem que eu volte para lá;
Sem que desfrute os primores
Que não encontro por cá;
Sem que ainda aviste as palmeiras
Onde canta o sabiá.”

Esse poema - principalmente alguns versos - são, possivelmente, a coisa mais entranhada, emprenhada na alma brasileira, em todas as idades e em muitas gerações. Colocá-los no trabalho trazia o risco da trivialidade demagógica. Contudo, com o poema cortado ao essencial e os versos trocados de ordem, tem-se uma verdadeira recriação que justificam sua inclusão na colagem. O público reconhece imediatamente a poesia mas tem a estranha sensação de estar ouvindo uma interpretação, uma espécie de “arranjo” musical - uma coisa velha curiosamente nova.
CLÁUDIO - (Pegando um livro ) De Cornélio Pena, um dos mais puros escritores brasileiros: (Abre o livro.) “Minha mãe era uma figura de constante e misteriosa doçura, sempre mergulhada em um sonho longínquo, como se toda ela estivesse envolvida em seu manto de viuvez, de crepe suave, quase invisível, que não deixava distinguir-se bem os seus traços, os seus olhos distantes. Andava pelas salas de nossa casa, em silêncio, sentava-se em sua cadeira habitual sem que se ouvisse o ruído de seus passos, e, quando falava, era um só tom, sem que nunca a impaciência o alterasse. Sabíamos todos, contado em segredo pelas outras senhoras, o rápido e doloroso drama que a tinha despedaçado. Tendo casado em

Paris, seguira para ltabira do Mato Dentro e, depois de oito anos de felicidade, meu pai morrera subitamente. Desorientada, tentou refugiar-se junto de minha avô, que ficara em Honório Bicalho, e, na estação, soube que ela falecera na véspera. Quis então ir para junto da irmã e madrinha, em São Paulo, mas esta também morreu, no mesmo mês.., e assim se fechara sobre ela uma lousa inviolável de renúncia e de tristeza, que nós os filhos nunca pudemos vencer, durante tantos anos de sobrevivência. Quando fecho os olhos, ainda a vejo, a mesma de todo o tempo, e me lamento porque não a fiz sofrer sem reservas, porque não a fiz chorar todas as lágrimas da maternidade infeliz, porque não lhe dei socorro aos gritos e é só por isso que desejava guardar sua imagem muito pura, muito secreta, e tenho a impressão de traí-la, falando sobre ela!” (13)
13) Carta de Cornélio Pena. Das obras Edição Aguilar. SÉRGIO - Mas tudo, afinal, que passa e não volta, fica em frases, dísticos, rótulos, labéus. Tudo são recordações e saudades. CLÁUDIO - Há os nomes que vêm nos pára-choques dos caminhões, jactância, alegria, desafio. “O leão das ruas.” “Eu volto, flor.” “Vaca no pasto não tem touro certo.” “Sogra não é parente, é castigo.” “Arma branca, só cachaça.” CLÁUDIO - Há as frases dos namorados, eternas, mas ah, pela primeira vez ouvidas: “Meu nome é Margarida, mas pode me chamar de Mara.” “Pensei que não viesses mais.” “Eu não posso viver sem ela.” “E eu, não gosto de você?” FERNANDA - Há os galanteios de esquina “Cuidado, senão quebra.” “No dia em que eu for rico comprarei esse orgulho. “Que o diabo a carregue... lá pra casa.” “Essa é a nora que meu pai queria.” SÉRGIO - Há as tristezas de um passado melhor: “Quando eu era nadador.” “Me dá esses retratos aí na gaveta.” “Te lembras do Martinelli?” “Eh, isso não volta mais.” CLÁUDIO - Há as verificações quase impossíveis: “Era a mais bela da cidade.” “A coisa que eu mais detesto é quiabo.” “Sou feliz, que importa o resto?” “Desta vez vim para ficar.” FERNANDA - Há uma imensa solidariedade: “Estarei lá, firme!” “Não te fies nele!” “Conte comigo!” “Oh, venha de lá um abraço!” SÉRGIO - Há uma vã memória: “Sou eu, não se lembra de mim?” “Vendiam-na embrulhada em folha de bananeira.” “Quem te viu e quem te vê!” CLÁUDIO - Há uma crise constante: “A vida está pela hora da morte.” “Cada um? Pensei que fosse a dúzia.” “Não se pode mais educar um filho.” “Freguesa, hoje não quer nada?” SÉRGIO - Há uma busca melancólica: “Ano que vem vou ver mamãe.” “Um dia eu largo tudo e volto pra lá.” “Não se chamava Rua dos Ourives?” FERNANDA - Há alguns sons bem antigos: “Sorveeete de coco é de cooooco da Bahia.”
CLÁUDIO - Há uma redenção definitiva: “Era um bom sujeito.” (14) 14) O texto completo está em Lições de um ignorante, do autor. Edição Paz & Terra. 1977.
(Slide dramático de guerra.)
(Luz dramática sobre Fernanda.)

FERNANDA- E justamente no instante
em que a Ursa Polar girou
jogando a sombra da estrela
na rosa que o vento armou,
segundo o plano previsto
a bomba da paz voou. (15)

15) Ditado sobre o medo. Reynaldo Jardim.
slide 5
O HOMEM:
O SEU MEDO

SÉRGIO - Guimarães Rosa: “a cada hora, de cada dia, a gente aprende uma qualidade nova de medo”. (16) 16) Outra demonstração curiosa das dificuldades de uma colagem. O autor, lembrando-se, de memória, de uma ou duas frases sobre o medo escritas por Guimarães Rosa em Grande sertão, veredas, releu o romance. Curiosamente, talvez na pressa da releitura, não encontrou a frase essencial que buscava. O jornalista mineiro Etienne Arreguy se prestou a ajudá-lo, leu e anotou todas as frases de medo do Grande sertão. Só foi aproveitada esta frase, aliás profunda e contundente.
CLÁUDIO - Dez horas e trinta e cinco do dia 30 de março de 1966. Uma caminhonete negra pára diante da Embaixada Americana, em Saigon. O chofer desce: um funcionário o convida a circular. Nesse momento há uma explosão gigantesca( S l i d e ) - 115 quilos de plástico volatilizam o veículo, destroem todo o rés-do-chão da embaixada e as casas em torno. Os gritos e os gemidos de mais de uma centena de feridos enchem o esplendor da manhã clara . (Slide. Homem com
rifle) Um civil arranca o rifle de uma sentinela e procura inutilmente seu inimigo sem rosto. (17) 17) Tradução e redução de um trecho de reportagem da revista americana Life. Para a cena é fundamental usar a foto original a que o texto se refere. SÉRGIO - O general Taylor acabara de enviar um comunicado a Johnson - “Melhora sensivelmente a situação no Vietnam”. CLÁUDIO- Ditado sobre o medo Reynaldo Jardim: FERNANDA - O que gera o fantasma são as fomes
e a funda insegurança dos meninos,
A queda repentina do horizonte
O horizonte manchado de inimigos.
O que provoca o medo são as pontes interrompidas sem qualquer aviso.


O tiro pelas costas e a escuridão
fechando as portas de qualquer abrigo.
O que fermenta o medo e a rebelião
é o esperar - prolongado e mais aflito -
do filho sem saber se trará pão
o pai que a vida inteira plantou trigo.

FERNANDA- De Brecht. O poema do Medo: A Infanticida Maria Farrar. “Maria Farrar, nascida em abril,
sem sinais particulares
menor de idade, órfã, raquítica,
ao que parece matou um menino
da maneira que se segue.
Sentindo-se sem culpa
afirma que, grávida de 2 meses,
no porão de uma dona
tentou abortar com duas injeções
dolorosas, diz ela,
mas sem resultado.
E bebeu pimenta em pó
com álcool, mas o efeito
foi apenas de purgante.
Mas vós, por favor, não deveis
vos indignar.
Toda criatura precisa da ajuda dos outros
Seu ventre agora inchara a olhos vistos,


e ela própria, criança, ainda crescia.
E lhe veio a tal tonteira no meio das matinas
e suou também de angústia aos pés do altar.

Mas conservou secreto o estado em que se achava até que as dores do parto lhe chegaram. Então, tinha acontecido, também a ela!,
assim, feiosa, cair em tentação.
Mas vós, por favor, não deveis vos indignar,
toda criatura precisa da ajuda dos outros.
Naquele dia, disse, logo pela manhã,
ao lavar as escadas, sentiu uma pontada
como de alfinetadas na barriga.
Mas ainda consegue ocultar sua moléstia.
E o dia inteiro estendendo paninhos, buscava solução.
Depois lhe vem à mente que tem de dar à luz e, imediato,
sente um aperto no coração. Chegou em casa tarde.
Mas vós, por favor, não vos indigneis,
toda criatura precisa da ajuda dos outros.
Chamaram-na enquanto ainda dormia,
tinha caído neve, e havia que varrê-la.
Às 11 terminou. Um dia bem comprido.
Somente à noite pode parir em paz.
E deu à luz, ao que disse, um filho.
O filho se parecia a tudo quanto é filho
mas ela não era como as outras mães.
Mas vós, por favor, não vos indigneis,
toda criatura precisa da ajuda dos outros


Com as últimas forças, ela disse, prosseguindo,
dado que no seu quarto o frio era mortal,
se arrastou até a privada, e ali,
quando, não mais se lembra
pariu como pôde quase ao amanhecer.
Narra que a esta altura estava transtornadíssima,
e meio endurecida, e que o garoto o segurava a custo,
pois que nevava dentro da latrina.
Entre o quarto e a privada
o menino prorrompeu em prantos,
e isso a perturbou de tal maneira, ela
disse, que se pôs a socá-lo
às cegas, tanto, sem cessar,
até que ele deixasse de chorar.
Depois conservou o morto no leito junto dela
até o fim da noite.
E de manhã, escondeu-o então no lavatório.
Mas vós, por favor, não deveis vos indignar,
toda criatura precisa da ajuda dos outros.
Maria Farrar, nascida em abril,
morta no cárcere de Moissen,
garota-mãe, condenada,
quer mostrar a todos o quanto somos frágeis.
Vós que paris em leitos confortáveis,
e que chamais bendito o vosso ventre inchado,
não deveis execrar os fracos e desamparados.
Por obséquio, pois, não vos indigneis.


Toda criatura precisa da ajuda dos outros. (Sobe música.)
SEGUNDA PARTE slide 6 O HOMEM: O SEU CIÚME SÉRGIO - “Tenho ciúme de quem não te conhece ainda E, cedo ou tarde, te verá, pálida e linda, pela primeira vez.” CLÁUDIO - Esse ciúme de Guilherme de Almeida é o ciúme romântico. Shakespeare retratou emO t e l o o ciúme violento, assassino. Proust, em Em busca do tempo perdido colocou na figura de Carlos Swan o mais profundo e detalhado estudo de ciúme mórbido da literatura e da psicologia. Mas o que vamos apresentar aqui é o ciúme de Molière, patológico e, sobretudo, ridículo. FERNANDA - Engels disse: com a monogamia aparecem na história, de maneira permanente, duas figuras: o amante e, conseqüentemente, o cornudo. O adultério torna-se uma instituição social inelutável, perseguida, condenada, punida, mas impossível de ser suprimida.
CLÁUDIO - Um resumo: A Escola de mulheres, de Molière.( S a i . ) (Slide de figura da época, só para dar cor local.) SÉRGIO - Existe alguma outra cidade do mundo com maridos tão complacentes quanto os nossos? Não os encontramos de todas as variedades, acomodados cada um de um jeito? Este junta mil bens, para que a esposa os divida, adivinha com quem? Com quem o cornifica. Outro, com um pouco mais de sorte, mas não menos pateta, vê a mulher receber inúmeros presentes, todo dia, mas não se mortifica com ciúmes; porque ela o convence facilmente de que são os prêmios da virtude. Um grita muito, mas fica no barulho; outro, vendo chegar em casa o galanteador, ainda vai, gentil, pegar-lhe a luva e a capa. Uma esposa, cheia de malícia, para evitar suspeitas, faz do próprio marido um confidente; e este dorme, tranqüilo, até com pena do coitado que tanto esforço faz sem ser correspondido. Outra mulher casada, para explicar um luxo que se estranha, diz que ganha no jogo as fortunas que gasta; e o bendito marido, sem perguntar qual o jogo, ainda junta um provérbio: “feliz no jogo, infeliz nos amores”. Mas eu conheço os truques, toda a infinita trama que as mulheres usam para encobrir o sol. Contra tais habilidades tomei minhas precauções. Um ar doce e tranqüilo fez com que eu amasse Inês quando a vi entre outras crianças. Criei-a desde os quatro anos de idade. Num pequeno convento fiz com que fosse educada sob regras estritas, ou seja, que só lhe ensinassem aquilo que pudesse torná-la o mais estúpida possível. Agora alojei-

a numa casa bem distante onde ninguém me visita. Imaginem - é tão inocente que noutro dia veio me perguntar se as crianças se fazem pelo ouvido. Mas, quem vejo.., será que...? Ah, sim...
HORÁCIO - Senhor Arnolfo!
ARNOLFO - Mas caro Horácio. Há quanto tempo está aqui?
HORÁCIO - Há nove dias! Fui direto à sua casa, mas em vão.
ARNOLFO - Estive fora dez dias.( E x a m i n a n d o - o ) Oh, como esses meninos

crescem! Estou admirado de vê-lo assim tão alto; quando eu o conheci não era mais que isto. HORÁCIO - Como vê...
ARNOLFO - Que tal tem achado esta cidade?
HORÁCIO - Com muitos cidadãos, construções magníficas e divertimentos como

ainda não tinha visto. ARNOLFO - Cada um encontra aqui com que se divertir, por mais requintado que o seu gosto seja; mas, para aqueles que batizamos de galantes, este país é um sonho - não há, em parte alguma, mulheres tão compreensivas. Se acha o que se quer: morenas, louras, todas amistosas, gentis, dadas. E os maridos? Não há, no mundo, maridos mais benignos. Mas, estou falando e, quem sabe, o amigo já pegou alguma?
HORÁCIO - Para não lhe ocultar nada da verdade pura, já tive também, nesta cidade, uma pequena aventura de amor; a amizade obriga que lhe conte. ARNOLFO - (À parte) - Bem, vou ouvir, com cuidado, mais uma de otário; e logo mais, com calma, anoto em meu diário. HORÁCIO - Lhe confesso com total franqueza que meu coração foi literalmente estraçalhado por uma bela jovem que vive aqui bem perto. Mas minhas manobras foram tão felizes que logo consegui lhe ser apresentado e ter acesso ao próprio aposento em que ela dorme. Sem querer me gabar, e sem injuriá-la eu posso lhe dizer que as coisas já vão mais longe do que eu sonharia...
ARNOLFO -( R i n d o ) E ela é...? HORÁCIO - (Apontando para a casa de Inês) Uma coisinha linda que vive nessa casa ali, da qual se vê um pedaço do muro avermelhado. Simples, na verdade, de uma simplicidade sem igual - se chama Inês. ARNOLFO - (À parte) Ai, que eu rebento! HORÁCIO - A pobre foi condenada a viver trancada pela estupidez sem paralelo de um grosseirão que a afasta de todo o contato com o mundo. Me disseram que é um tipo muito ridículo: o senhor conhece?
ARNOLFO - (À parte) - A pílula é amarga - mas tenho que engoli-la.
HORÁCIO - Mas, como é, não me diz nada?
ARNOLFO - Ah, sim, conheço ele.
HORÁCIO - É ou não é um imbecil?
ARNOLFO- É
HORÁCIO - O que é que o senhor fez? O quê? Eh!? Isso quer dizer sim? Ciumento

de matar de riso? Paspalhão? Então é exatamente aquilo que me descreveram. Mas, de repente, está triste! Por acaso reprova o que eu fiz? ARNOLFO - Não; é que eu estava pensando...
HORÁCIO - Minha conversação o cansa. Adeus então...
ARNOLFO -( S ó ) Com que imprudência e com que pressa me vem ele contar o seu

caso, a mim mesmo! Apesar de não saber que o negócio é comigo, ainda assim poderia ser mais gentil com os estranhos. Mas não sou homem capaz de engolir sapos. Não vou deixar o campo livre a esse fedelho. No ponto a que chegamos ela já é quase minha esposa; se escorregou, me cobriu de vergonha. Oh, ausência fatal! Viagem infortunada! (Sai. Entram Alain e Georgete.)
GEORGETE - Meu Deus, Ajam, o patrão chegou terrível! Nunca vi um cristão mais horrendo. ALAIN - Aquele senhor deve tê-lo enganado. GEORGETE - Mas, por que razão ele não deixa que ninguém se aproxime de nossa pobre patroa? ALAIN - É porque sente ciúme, Georgete.
GEORGETE - Mas para ter ciúme é preciso um motivo.
ALAIN - O motivo... o motivo... é que sente ciúme.
GEORGETE - Mas por que tem ciúme?
ALAIN - Porque o ciúme... você me entende. Georgete... o ciúme é uma coisa...

Vou dar um exemplo, pra que você entenda com mais facilidade; você está na mesa, a mesa arrumadinha, vai começar a comer o seu mingau, quando passa por lá um esfomeado e começa a querer comer a comida que é tua. Você não fica furiosa e o põe pra fora?
GEORGETE - Já começo a entender. ALAIN - Pois é isso que entendes. A mulher não é mais do que o mingau do homem. E quando um homem percebe que outros homens querem meter o dedo no mingau que é dele...
GEORGETE - Depressa, ai vem ele.( S a e m . )
ARNOLFO - Inês! Inês (Entra Inês.)
INÊS - Chamou?
ARNOLFO - Chamei. Cheguei.
INÊS - Oh, que prazer. Fiquei tão ansiosa. Cada cavalo, burro ou mula que

passava eu pensava que era você chegando. ARNOLFO - Vamos dar um passeio.( P a s s e i a m ) Um passeio bonito.
INÊS - Muito bonito.
ARNOLFO - Um lindo dia.
INÊS - Lindíssimo.
ARNOLFO - E o que é que há de novo?
INÊS - O gatinho morreu.
ARNOLFO - Coitado! Mas, enfim, somos todos mortais, cada um morre sua vez. O

mundo, cara Inês, que coisa estranha é o mundo! A maledicência geral, por exemplo; uns vizinhos me disseram que um homem jovem penetrou lá em casa em minha ausência e que você não só o viu, como ouviu também, com agrado! Mas é claro que não acreditei nessas línguas viperinas e apostei até na falsidade de...
INÊS - Por Deus, não aposte! Era perder, na certa!
ARNOLFO - O quê? É verdade que um homem...?
INÊS - É certo! É certo! Mais do que isso - quase não saiu aqui da nossa casa o

tempo todo. ARNOLFO -( B a i x o , à parte ) - Essa confissão, que faz com tal sinceridade, me prova pelo menos a sua ingenuidade.( A l t o ) Como é que é essa história? INÊS - Eu estava na varanda, costurando ao ar livre, quando vi passar debaixo do arvoredo um rapaz muito bem apessoado que, vendo que eu o via, me fez um cumprimento respeitoso. Eu, não querendo ser menos educada, respondi do meu lado ao cumprimento. Ele, rapidamente, fez outra reverência; eu também depressa, respondi; ele então se curvou uma terceira vez; e uma terceira vez eu me curvei. Ele passa, retorna, repassa, e a cada ida e volta, se curva novamente; e eu, que, é natural, olhava para esse movimento todo, tinha que responder a cada cumprimento. Tanto que, se em certo instante a noite não chegasse, eu teria ficado ali, saudando eternamente. Pois eu não ia ceder e passar pela vergonha dele me julgar menos civilizada.
ARNOLFO - Muito bem.
INÊS - No dia seguinte, eu estava na porta, uma velha se aproximou e disse assim: “Minha filha, que Deus te abençoe e mantenha tua beleza durante muitos anos; ele não te fez assim tão bela para que você espalhasse o mal por onde passa. Você deve saber que feriu um coração.”
ARNOLFO - (À parte) Oh, um instrumento de Satã! Alma danada! INÊS - “Eu feri o coração de alguém?” perguntei espantada. “Feriu!” me respondeu a velha, “e feriu seriamente”. “Qual foi a causa?” - disse eu. “Por acaso deixei cair algum vaso em cima dele?” “Não.” - me respondeu a velha - “O golpe fatal partiu desses seus olhos.”
ARNOLFO - (À parte) - Tudo foi causado por uma alma inocente; tenho que me acusar de uma ausência imprudente que deixou aqui, sem proteção, esses encantos tentadores expostos à cupidez dos mais vis sedutores. Temo só que o velhaco, entre lua e luar, haja ido mais longe do que ouso pensar. (A Inês) Me conta agora o que aconteceu depois; como ele se comportou enquanto a visitava.
INÊS - Ah, foi muito bonzinho: dizia que me amava um amor sem igual, dizia palavras as mais gentis do mundo, coisas como jamais ouvi ninguém dizer e que me faziam subir um certo não-sei-que aqui por dentro. ARNOLFO - (Baixo, à parte ) Oh, exame funesto de um mistério fatal, onde o examinador sofre só todo o mal.( A l t o ) Além de todas essas conversas, e de toda essa cumprimentação, ele não lhe fazia também umas carícias? INÊS - Ah, tantas! Pegava minhas mãos, meus braços, e não cansava nunca de beijá-los. ARNOLFO - E, diz aqui, Inês, ele não quis mais nada? Não foi... mais.. adiante; (Vendo-ac o n f u s a ) ui! INÊS - Hummm... ele me...
ARNOLFO - O quê?
INÊS - ...pediu...
ARNOLFO - ... Ahn?
INÊS - ...a...
ARNOLFO - Pediu a...?
INÊS - Não tenho coragem; você vai ficar furioso comigo.
ARNOLFO - Não fico.
INÊS - Eu sei que fica.
ARNOLFO - Deus do céu! Não fico!


INÊS - Ele me tirou a... Você vai ficar! ARNOLFO - Não fico, não fico, não fico! (À parte ) Ah, que eu fico! Eu sofro como um louco! INÊS -( G r i t a n d o ) Ele me tirou a fita que você me deu. ARNOLFO - (Respirando fundo) Oh, a fita é o de menos. Estou aliviado. Vai, vai e manda aqui os dois criados. (Saí Inês) Roubado desse amor eu sofro duas vezes; a honra me dói e o coração me estoura.
Enraiveço por ver meu lugar usurpado,
enlouqueço por ver meu bom-senso enganado.
Deus, livrai minha fronte da desonra;

mas, se está escrito que a mim também algo aconteça nessa parte do corpo, dai- me ao menos, pra me ajudar a suportar esse acidente, a mansidão que vejo em tanta gente. (18) (Fade-out música.)
18) A Escola de mulheres, de Molière. Tradução do autor. Editado em edição conjunta pela Editora Nórdica e Círculo do Livro. A cena está reduzida.
slide 7 O HOMEM: A SUA SOLIDÃO FERNANDA - William Shakespeare, outra vez. O Solilóquio da solidão deR i c a r d o II: CLÁUDIO - “Não importa onde, mas que nenhum homem me fale de consolo. Falemos de tumbas, de vermes, de epitáfios,
Falemos de nossos testamentos.
Ou não? Pois que temos a legar
senão nossos corpos depostos sobre o chão?
Nossas terras, nossas vidas, e tudo o mais, pertencem à morte

e nada podemos dizer que nos pertence. Exceto a morte e esse pequeno modelo de terra estéril
que serve de argamassa e cobre nossos ossos.
Pelo amor de Deus, sentemo-nos no chão
para contar histórias soturnas de reis mortos:
como uns foram depostos, alguns trucidados na guerra,
alguns perseguidos pelos fantasmas que haviam destronado,

alguns envenenados pelas companheiras, alguns mortos dormindo, todos assassinados. Pois dentro da coroa oca
que cinge a têmpora mortal de um rei,
a morte mantém a sua corte, e fica lá, grotesca, zombando
do poder, sorrindo à sua pompa, permitindo ao rei um fôlego, uma pequena cena,

na qual pode monarquizar, ser temido, matar com um olhar e se encher de orgulho enorme e inútil. E quando o vê assim, acomodado,
ela atravessa o muro do castelo com um alfinete mínimo,
e adeus, Rei!
Cobri vossas cabeças, e não zombai da carne e do sangue,

tratando-os com solene reverência; fora do respeito, a tradição, a forma, o dever da cerimônia:
Eu me alimento de pão, como vós outros, sinto necessidades,
provo a angústia, preciso de amigos. Assim enclausurado,
como podeis dizer a mim que eu sou um rei?” (19)

19) Tradução do autor. SÉRGIO - Piadas pungentes. FERNANDA - Triste, entre as tristezas da vida, é o dia em que uma mulher começa a freqüentar antiquários porque ali, talvez, quem sabe?, ainda encontre alguém que a queira. SÉRGIO - E aquele menino muito pobre e abandonado, filho de uma família numerosa, quando alguém lhe perguntava quem ele era, respondia tristemente: “Eu? Eu sou aquele, de óculos.” FERNANDA - Dizia o psicanalista: “O que o senhor tem é mania de perseguição.” Dizia o cliente: “O senhor diz isso porque não gosta de mim.” SÉRGIO-(Apito) - Se eu pegasse essa locomotiva,
eu a traria para a minha solidão de monge
e enquanto ela ficasse aqui, sozinha,
eu apitaria, lá longe.

FERNANDA - Ser gagá não é viver apenas nos idos do passado: é muito mais! É saber que todos os amigos já morreram e os que teimam em viver são entrevados. É sorrir, interminavelmente, não por necessidade interior mas porque a dentadura é maior do que a arcada.
CLÁUDIO - É ficar olhando os brotinhos que passam com o olhar esclerosado, numa inútil esperança. É ficar aposentado o dia inteiro, olhando no vazio, pensando em morrer logo e sair subitamente, andando a meia hora que o separa dos cem metros da esquina, porqueé preciso resistir. É dobrar o jornal encabulado, quando chega alguém jovem da família, mas ficar olhando, de soslaio, para os íntimos da coluna funerária. É só pensar em comer, como na infância. E em certo dia, passar fome as vinte e quatro horas, só de melancolia.

SÉRGIO - É na hora mais ativa do mais veloz bangue-bangue, descobrir, lá no terceiro plano, um ator antigo, do cinema mudo, e sentir no peito a punhalada. É surpreender, subitamente, um olhar irônico que trocam dois brotinhos, que, no entanto, o ouvem seriamente. É querer aderir à bossa nova, falar “sossega leão” e morrer de vergonha ao perceber o fora. É ter estado em Paris em 19. É ter sabido francês e esquecido. E descobrir de repente um buraco na roupa e dar graças a Deus, por ser na roupa.
FERNANDA - Ser gagá é sentir plenamente que tudo que se leu, que se viu e se viveu, espantoso que seja, não terá a importância do feito de outro homem, nos inícios da vida. É estar sempre na iminência de ouvir em plena rua: “Olha o tarado!” É chamar de menina a quarentona. É ter uma esperança senil nos cientistas. É reparar, nos mais jovens, o imperceptível sinal da decadência: a lentigem nas mãos, o cabelo que afina, a pele que vai desidratando. É fazer planos qüinqüenais que espantam os jovens que acham cinco anos a própria eternidade, mas que o gagá sabe que voam, como voaram tantos, tantos, tantos. É sentir que agora, outra vez, está bem de saúde. É carregar o corpo o tempo todo. É saber que não há mais ninguém com prazer em lhe acarinhar a pele. É já não ter prazer em passar a mão na própria pele. É ficar galante e baboseiro na terceira taça de champanhe. É sentir, de repente, o isolamento. É ficar egoísta e amedrontado. É não ter vez e nem misericórdia. Ser gagá é fogo. Ou melhor, é muito frio. (20)
20) Do livro Lições de um ignorante, do autor, já citado. CLÁUDIO - Numa pequena aldeia carvoeira do País de Gales, no momento em que não tem mais forças para lutar contra a invasão asfixiante da escória de carvão, que esmaga lenta e implacavelmente a casa onde nascera, um homem vai rememorando, no adeus da despedida, toda a vida que viveu naquele vale, onde brincara, onde estudara, onde trabalhara, onde amara, onde sofrera.
SÉRGIO - Vou embrulhar minhas duas camisas e minhas outras meias no lenço azul que minha mãe costumava amarrar em volta do cabelo e me afastar do vale. Seu eu descesse até à venda, para arranjar uma caixa de papelão, toda a gente saberia que eu vou embora. Não é isso que eu quero.
E estranho que o pensamento esqueça tanta coisa e guarde na lembrança umas flores que morreram há mais de trinta anos. Estavam no peitoril da janela e ainda vejo a água saindo por uma rachadura do barro vermelho. Me lembro de tudo porque Bron estava ali, linda!, envolvida num halo de sol. Trinta anos passados e tudo tão perto como agora. Sou Huw Morgan e vou-me embora deste vale, triste porque não consegui deixar minha marca no mundo lá fora, embora eu não seja o único, na verdade.
Conheci uma era de bondade e de maldade também, mais de bondade, porém, que de maldade, posso jurar. Mas agora todos já se foram, todos vocês que eram tão belos quando ardentes de vida. Ou não se foram; porque são ainda uma chaga viva dentro do meu corpo.
Morre então Veiwen, e morreu sua amada beleza aqui, agora, ao meu lado de novo, pois ainda sinto os braços magoados com o aperto dos seus dedos? Morreu Bron, que me mostrou o verdadeiro amor de uma mulher? Morreu meu pai, debaixo

do carvão? Mas, Deus do céu, ele está lá fora ainda, dançando na rua com a camiseta vermelha de Davi em cima do ombro, e daqui a pouco estará na sala de jantar fumando o seu cachimbo, dando palmadas na mão de minha mãe e olhando - oh, o calor do meu orgulho! - para o retrato de uma rainha, dado pela mão de uma rainha, ao seu filho mais velho, cuja batuta levantava vozes em música digna de ser ouvida por uma rainha. Morreu o pastor Grufid, que era amigo e era mentor e me deu o seu relógio, toda a riqueza que possuía, apenas porque gostava de mim? Morreu ele? Então, se morreu, todos nós também estamos mortos e tudo, afinal, não passa de uma zombaria. Como era verde o meu vale e o vale daqueles que se foram! (21)
21) Do romance de Richard Lewellyn, How Green Was My Valley
slide 8 O HOMEM: O SEU DEUS FERNANDA - “Se o latido dos cães chegasse ao céu, chovia osso”. SÉRGIO - “O primeiro patife que encontrou o primeiro imbecil resolveu ser o primeiro Deus.” CLÁUDIO - A frase é de Voltaire. SÉRGIO - Mas, imbecil ou não, o homem continua a sua busca ansiosa procurando encontrar o Deus para quem apela em suas horas extremas. CLÁUDIO - Santa Teresa, num momento de êxtase, dirigindo-se a Jesus: FERNANDA - “Oh, meu Bem Amado, por teu amor aceito não ver nesta terra a doçura do teu olhar, não sentir o inexprimível beijo de tua boca, mas suplico-te que me abraces com teu amor. Um dia, tenho a esperança, cairás impetuosamente sobre mim, transportando-me para o lume do amor; tu me mergulharás nesse ardente abismo a fim de fazer de mim - e para sempre - a feliz vítima dele. Amém.”
CLÁUDIO - Mas há os que têm outros deuses e outro credo, como o artista do Dilema de um médico, de Bernard Shaw: SÉRGIO - “Creio em Miguelângelo, Velásquez e Rembrandt, no poder do desenho, no mistério da cor, na mensagem da arte que tornou estas mãos abençoadas e na redenção de todas as coisas pela Beleza Eterna, Amem, Amém, Amém.” FERNANDA - Os salmos do Rei Davi são mais angustiados, mais viris e mais ligados à luta de seu povo: CLÁUDIO - “Senhor, dá ouvido às minhas palavras, escuta o meu clamor. Porque, Senhor, é a ti que eu imploro. Que eu continue a ver os teus céus, obra de teus dedos, e a lua e as estrelas que tu estabeleceste. E eu cantarei o nome do Senhor altíssimo. Porque tu tens ferido a todos os que me perseguem sem causa: quebraste os dentes dos pecadores. Pois eles estão de assento emboscado com os ricos, em lugares ocultos para arrebatar ao pobre, para se apoderar dos pobres. Lança a tua voz, Senhor, para que o homem não empreenda mais engrandecer-se sobre a terra. Porque a garganta de meus inimigos é um sepulcro aberto: eles conceberam a dor, pariram a injustiça.
Senhor, por que são em tão grande número os que me perseguem? Sejam precipitados no inferno todos os pecadores, todas as nações que se esquecem de
Deus. Porque não haverá sempre o esquecimento do pobre; porque a paciência do pobre não poderá para sempre ser frustrada. Senhor, estabelece para os pobres um legislador: para que as nações conheçam que são homens. Senhor, tenho envelhecido no meio dos meus inimigos.

slide 9
O HOMEM:
O SEU RISO

CLÁUDIO - O homem é o único animal que ri.
SÉRGIO - E é rindo que ele mostra o animal que é.
FERNANDA - Dizem que o dinheiro fala; mas bom mesmo é o dólar, que fala várias

línguas. CLÁUDIO - A razão porque Cupido é tão mau atirador é que ele procura atingir o coração mas está sempre de olho em outras partes do corpo. SÉRGIO - Que futuro terrível será o do Brasil se, dentro de 10 anos, lembrando os dias de hoje, nós dissermos com saudade: “Bons tempos hein?” FERNANDA - Groucho Marx: “Eu não freqüento clubes que me aceitam como sócio”. CLÁUDIO - Orson Welles: “O Brasil é o país onde se fabrica o melhor uísque falsificado do mundo.” SÉRGIO - Stanislaw Ponte Preta, introdutor da grossura na filosofia humorística carioca: “Quando eu vejo um afeminado muito musculoso é que percebo que a ordem dos fatores não halterofilista.” FERNANDA - Notícia de jornal: “No Rio, dois trapezistas, em dois circos diferentes caíram do trapézio e foram para o hospital. A verdade é que ninguém mais se agüenta.” CLÁUDIO - Notícia de jornal: “Na Inglaterra, foi condenado por adultério e atentado ao pudor, um velho de 81 anos de idade, o que não é apenas uma indecência mas também um recorde.” SÉRGIO - Notícia de jornal: “Na impossibilidade de acabar com os mendigos, bêbados e vadias que enchem Copacabana, as autoridades resolveram tomar uma medida mais simples: vão proibir Copacabana para menores de 18 anos. FERNANDA - Informação útil: o nome científico de dedo-duro és c l e r o d a c t y l u s. CLÁUDIO - E logo vem a história da mulher do vegetariano que gritava para o marido: “Querido, vem depressa que a comida já está murchando.” SÉRGIO - E depois vem a história do otimista que se atirou do décimo andar do edifício e, ao passar pelo oitavo, murmurou: “Bem, até aqui tudo bem!”
FERNANDA - Triste país esse em que os otimistas estão se atirando do alto dos edifícios. CLÁUDIO - Piadinha mundo-cão. Um acidente de automóvel causou uma pequena deformação naquele senhor. Nada de muito grave, não, mas por azar, afetou-o exatamente no que mais caracteriza os senhores. FERNANDA - Perguntava o oculista: “Que letra é aquela?” Respondia o cliente: “Efe.” - Corrigia o oculista - “Errou, é ume s s e!” Respondia o cliente: “Eu fei. Eu não dife ifo?” SÉRGIO - Eu vi a COISA! Tinha cabeça-de-prego cabelo de relógio testa-de-ferro cara-metade ouvidos de mercador.
Um olho dágua
outro da rua.
Pestana de violão
pupilas do senhor reitor
nariz de cera
boca de siri
vários dentes de alho
e um de coelho.
Língua de trapo

barba-de-milho e costeletas de porco.
Tinha garganta de montanha
um seio da pátria, outro da sociedade.
Braços de mar,
cotovelos de estrada,


uma mão-de-obra
outra mão boba
Palmas de coqueiros
dois dedos de prosa
um do destino,
e unha de fome.
Tinha corpo de delito
tronco de árvore
algumas juntas comerciais
e outras de bois.
Barriga de revisão
umbigo de laranja
cintura de vespa
costas d’África
pernas de mesa
canela em pó
plantas de arquitetura
um pé-de-moleque
e outro pé de vento.

CLÁUDIO - Dizia o autor: “Eu acho que as atrizes do teatro brasileiro são todas muito másculas” Respondia a atriz: “Bem, alguém tinha que ser.” FERNANDA - E a menininha, achando um monte de latas de leite condensado num recanto do parque, gritou para o pai: Papai, papai, achei um ninho de vaca!” SÉRGIO - Confúcio disse: “Quando um técnico vai tratar com imbecis, deve levar um imbecil como técnico.” CLÁUDIO - Passei hoje por Jacarepaguá e verifiquei que as vacas estão cada vez mais cheias de si. É natural: até hoje ainda não se descobriu nenhum outro animal que dê leite de vaca.
FERNANDA - E pode não ser verdade, mas dizem que quando o demônio chega tarde no inferno, a demônia grita indignada: “E de onde é que você me vem a essa hora com o pêlo todo manchado de auréolas?” SÉRGIO - Do pára-choque de um caminhão: “Se o nosso amor virou cinza, foi porque eu mandei brasa.” CLÁUDIO - Muito cuidado, amigo! Às vezes você está discutindo com um imbecil.., e ele também. FERNANDA - Imposto de renda: nunca tantos deveram tanto a tão poucos. CLÁUDIO - Anatomia é essa coisa que os homens também têm, mas que nas mulheres fica muito melhor. SÉRGIO - Notícia de jornal: “A igreja acabou de publicar uma lista de 128 pecados.” Estávamos perdendo mais de cem por pura ignorância. CLÁUDIO - Chama-se de chato um sujeito que tem um uísque numa mão e a nossa lapela na outra. (Depois da reação do público) E enfim, amigos, a vida é assim mesmo - uns têm graça, outros têm espírito, a maioria tem apenas pedra nos rins. (22)
22) Todo o humor usado aqui, como no resto do espetáculo, com exceção de citações e fontes visivelmente populares, é do autor. A Coisa, publicada pela primeira vez em O Cruzeiro, em 1954, está no livro Tempo e contratempo, da mesma empresa.
(Nota:- Or i s o deve começar e terminar com frases que resultarem mais engraçadas- Quando acabar o riso, que deve ser feita, naturalmente, com luz clara, uma mudança para luz dramática.)

slide 10 O HOMEM: O SEU FIM (Música.) CLÁUDIO - Réquiem para uma deusa do sexo. FERNANDA - (Sobre slides, lindos, de Marilyn Monroe) - “Agora você está morta, com a mão agarrada ao telefone, o rosto virado para baixo. E vieram os guardas e te puseram as mãos em cima. E mais uma vez errarão todos tentando te interpretar: falarão sobre o telefone, as pílulas, as roupas de baixo, as meias jogadas no chão e não saberão jamais da ânsia de beleza total que foi tua vida, nem que você foi mais pura e delicada de espírito do que toda a realidade em que eles vivem.”
FERNANDA - (Ao vivo ) - No meio de uma orgia internacional de mau gosto e histeria, na qual figura quase uma centena de suicídios culminando com a manchete do jornal mexicano que dizia “Marilyn Monroe matou-se por um mexicano”, o mundo contemplou, mais sádico e tonto do que compungido, a morte da última deusa do cinema.
CLÁUDIO - O autor Sir Laurence Oliver: “Foi uma vítima da propaganda e do sensacionalismo”. SÉRGIO - O diretor John Huston: “A moça era viciada em soníferos. A culpa é desses médicos canalhas”. CLÁUDIO - O Pastor Billy Graham: “Tudo aquilo que ela buscava estava em Cristo”. FERNANDA - Norman Rosten, amigo de Marilyn Monroe, num verso: “Quem colheu teu sangue? Eu, disse o fã, em minha caneca colhi teu sangue”. SÉRGIO - O jornalista Walter Winchel: “Junto do caixão, di Maggio murmurou eu te amo, doze vezes seguidas”. CLÁUDIO - Peter Lawford, cunhado de Kennedy: “Estou chocado. Minha mulher viajou ontem até aqui só para assistir aos funerais e nem fomos convidados” Dos três homens com quem Marilyn tinha sido casada, James Dougherty, o policial que se casou com ela quando tinha 16 anos, disse apenas: “Sinto muito”. E voltou à ronda. Joe di Maggio levou-a até o túmulo. E Arthur Miller declarou à imprensa: “Não vou ao enterro. Ela já não está mais lá”. (23)

23) Tradução e resumo de uma reportagem da revista americana Look (Música.) (Fotos: Palácio do Catete- quarto de Getúlio, etc.) CLÁUDIO - (Voz gravada) - No dia 24 de agosto de 1954 um ancião passeia solitário no quarto pequeno, humilde, desconfortável, em que dormia no Palácio do Catete. Ex-ditador, cheio de erros e violências, amável e fascinante no trato pessoal, dominando o país durante 24 anos com sua indiscutível popularidade, ele nesse momento está só e abandonado. Foi apanhado numa terrível encruzilhada da história do país. Os inimigos o acuam. Os mais íntimos o traem. E então, sejam quais sejam suas misérias, defeitos e mesquinharias anteriores, Getúlio Vargas dá um passo e atinge uma dimensão trágica como ser humano.
SÉRGIO-(Pode ser sobre slide de multidão no enterro de Getúlio, e caras patéticas) “As forças e os interesses contra o povo coordenaram-se novamente e se desencadeiam contra mim. Não me acusam, insultam; não me combatem, caluniam, e não me dão o direito de defesa. Tenho lutado mês a mês, dia a dia, hora a hora, resistindo a uma pressão constante, tudo suportando em silêncio, tudo esquecendo, renunciando a mim mesmo, para defender o povo que agora fica desamparado. Nada mais vos posso dar a não ser o meu sangue. Se as aves de rapina querem o sangue de alguém, querem continuar sugando o povo brasileiro, eu ofereço em holocausto a minha vida. Escolho este meio de estar sempre convosco. Quando vos humilharem sentireis em vosso peito a energia para a luta por vós e vossos filhos. Meu sacrifício vos manterá unidos e meu nome será a vossa bandeira de luta. Cada gota de meu sangue será uma chama imortal na vossa consciência e manterá a vibração sagrada para a resistência. Ao ódio, respondo com o perdão. E aos que pensam que me derrotaram respondo com a minha vitória. Era escravo do povo e hoje me liberto para a vida eterna. Mas esse povo de quem fui escravo não será mais escravo de ninguém. Serenamente dou o primeiro passo no caminho da eternidade e saio da vida para entrar na história.” (24)
24) Trecho da carta deixada por Getúlio Vargas ao se suicidar, em 1954. (Slides de mortos célebres: Serajevo, Lincoln, Ghandi, o premier japonês, terminar com fotos de Kennedy rindo, depois com Jaqueline ou (e) filhos.) CLÁUDIO-(Sobre imagem devastada de Hiroshima) Macbeth: “Amanhã, e amanhã, e amanhã, chegando no passo impressentido de um dia após um dia, até a última sílaba do tempo registrado.
E cada dia de ontem
iluminou, aos tolos que nós somos,
o caminho para o pó da morte.


Apagai-vos, vela tão pequena! A vida é apenas uma sombra que caminha, um pobre ator, que gagueja e vacila a sua hora sobre o palco e depois nunca mais se ouve. É uma história contada por um idiota, cheia de som e fúria, significando nada.” (25) 25) Macbeth. Wiiliam Shakespeare. Tradução do autor. (Slides de Bertrand Russel.) SÉRGIO - Bertrand Russel: “As autoridades mais acreditadas são unânimes em afirmar que uma guerra com bombas de hidrogênio acabará com a raça humana... Haverá uma morte universal, imediata apenas para uma minoria afortunada. Para a maioria será uma tortura lenta, com doenças, dores e desintegração.
(Slides de bomba atômica. Som crescente das explosões aumentando com a aproximação da imagem. Entra conjunto musical acompanhando Fernanda.) SHOW FINAL Bum, bum, bum, bum
Bum, bum, bum, bum, etc..
No último dia do mundo
Tenho um encontro com você
No último lugar do mundo
Eu vou procurar você
Onde é que você vai agora?
Por favor não vá embora
Antes de marcar comigo
Um encontro para o fim do mundo

Bum, bum, bum, bum,
Bum, bum, bum, bum, bum, etc..
Os russos vão mandar
Os americanos pelo ar


E os americanos
Vão achar legal
Poder gastar, seu estoque total.
Bum, bum, bum, bum, bum, bum,
Bum, bum, bum, bum, bum, etc.
Ah, Meu bem, vai ser um amor fatal
Eu e você, nesse show final
Bum, bum, bum, bum, bum, bum, bum
Bum, bum, bum, bum, bum, etc.. (26)

26) Música de Dulce Nunes. Letra do autor. (Blecaute) FERNANDA - Senhoras e senhores, não se zanguem, por favor! Sabemos muito bem que o espetáculo ainda deve ser corrigido.
Eram histórias lindas trazidas pela brisa,
mas a brisa parou e ficamos com um fim muito ruim.
Como dependemos da vossa aprovação
desejávamos, ai! que nosso trabalho fosse apreciável.
Estamos, como vós, desapontados, e é com consternação
que vemos a cortina fechar sobre tal fim.
Na vossa opinião que devemos fazer?
Mudar o mundo ou a natureza humana?
Acreditar em causas maiores e melhores - ou em nada?
Teremos que encontrar cada um sozinho
ou procuramos juntos?
Não há, irmãos, um fim melhor pra nossa história?
Senhores e senhoras, ajudem-nos a encontrá-lo!
Tem que haver! Tem que haver! Tem que haver!

CLÁUDIO - Mais ou menos assim Bertolt Brecht termina sua peça A Boa mulher de Setzuan. Como o dele, no nosso trabalho também estava inconcluso, até que encontramos A Última flor, do poeta humorista americano James Thurber. Slide 11 O HOMEM: EPÍLOGO (Música mais alegre.) FERNANDA - A décima segunda guerra mundial, como todos sabem, trouxe o colapso da civilização.
Vilas, aldeias e cidades desapareceram da terra.
Todos os jardins e todas as florestas foram destruídas. E todas as obras de arte.

Homens, mulheres e crianças tomaram-se inferiores aos animais mais inferiores. Desanimados e desiludidos, os cães abandonaram os donos decaídos. Encorajados pela pesarosa condição dos antigos senhores do mundo, os coelhos caíram sobre eles. Livros, pinturas e música desapareceram da terra e os seres humanos ficavam sem fazer nada, olhando no vazio. Anos e anos se passaram. Os poucos sobreviventes militares tinham esquecido o que a última guerra havia decidido. Os rapazes e as moças apenas se olhavam indiferentemente, pois o amor abandonara a terra. Um dia uma jovem, que nunca tinha visto uma flor, encontrou por acaso a última que havia no mundo.
Ela contou aos outros seres humanos que a última flor estava morrendo.
O único que prestou atenção foi um rapaz que ela encontrou andando por ali.
Juntos, os dois alimentaram a flor e ela começou a viver novamente.
Um dia uma abelha visitou a flor. E um colibri.
E logo havia duas flores, e logo quatro, e logo uma porção de flores.

Os jardins e as florestas cresceram novamente. A moça começou a se interessar pela própria aparência.
O rapaz descobriu que era muito agradável passar a mão na moça.
E o amor renasceu para o mundo.
Os seus filhos cresceram saudáveis e fortes e aprenderam a rir e brincar.

Os cães retornaram do exílio. Colocando uma pedra em cima de outra pedra, o jovem descobriu como fazer um abrigo. E imediatamente todos começaram a construir abrigos. Vilas, aldeias e cidades surgiram em toda parte. E a canção voltou para o mundo.
Surgiram trovadores e malabaristas alfaiates e sapateiros
pintores e poetas
escultores e ferreiros
e soldados
e soldados

(em crescendo de imagem) e soldados
e soldados
e soldados
e tenentes e capitães
e coronéis e generais

(em crescendo de tom) e líderes! Algumas pessoas tinham ido viver num lugar, outras em outro. Mas logo as que tinham ido viver na planície desejavam ter ido viver na montanha. E os que tinham escolhido a montanha preferiam a planície. Os líderes, sob a inspiração de Deus, puseram fogo ao descontentamento.
E assim o mundo estava novamente em guerra.
Desta vez a destruição foi tão completa
Que absolutamente nada restou no mundo.
Exceto um homem
Uma mulher
E uma flor.